Sonia Delaunay

Gradizhsk, Ucrânia, 1885 – Paris, França, 1979

Nascida com o nome Sofia Stern numa família pobre, foi adoptada por um tio materno, Henry Terk, advogado de renome em S. Petersburgo, que lhe proporcionou uma sólida educação e apoiou a sua inclinação para a arte. Aos dezoito anos, Sonia vai estudar desenho para Karlsruhe, na Alemanha, com Schmidt-Reutter, e dois anos mais tarde, em 1905, vai para  Paris atraída pela dinâmica artística e cultural da capital francesa. Inscreve-se na Academia de la Palette. Contudo os mestres neo-clássicos que corrigem sistematicamente as telas dos seus alunos afastam-na do ensino académico. Sonia sente-se melhor a trabalhar sozinha e a descobrir pela cidade a arte que mais lhe interessa: Van Gogh, Gauguin, Bonnard, Vuillard, ‘os fauve magníficos’, e também Braque, Derain, Vlaminck, Dufy e o Douanier Rousseau, que Wilhelm Udhe, coleccionador e marchand  de arte, mostra discretamente a alguns, poucos, iniciados. Casa-se com Udhe em Londres, em 1908, um ‘casamento branco’ que lhe permite ficar a viver em Paris, “pelo amor da arte e da liberdade”.

Conhece Robert Delaunay nos círculos de artistas que frequentam Udhe, e em 1910 obtém o divórcio para se casar com Robert. Instalam-se no nº 3, rue des Grands Augustins onde mantêm atelier até 1935. Realiza para a cama do seu filho Charles, nascido em 1911, uma colcha a partir de diferentes tecidos coloridos justapostos em mosaico (seguindo a técnica do patchwork usada pelas camponesas russas) e considerada uma primeira composição abstracta. A par com a pintura, Sonia transforma a sua casa num cenário experimental onde aplica as pesquisas de contrastes simultâneos à confecção de abat-jours, encadernações em tecido para livros, coletes e um vestido simultâneo, celebrado em 1914 pelo poema de Blaise Cendrars, “Sur la robe elle a un corps” (‘Sobre o vestido ela tem um corpo”). Esta decoração e objectos simultâneos contrastam com as paredes pintadas de branco (uma extraordinária novidade em termos de decoração interior (o branco substitui os velhos papéis decorativos estilo Império). Em 1913, Sonia e Blaise tinham criado o primeiro livro simultâneo, “La Prose du Transsibérien et la Petite Jehanne de France”, longo poema de viagem da autoria de Blaise com pintura de Sonia, e que desdobrado media 2 metros de altura, atingindo toda a edição a altura da torre Eiffel. Nesse mesmo ano, Sonia participa no Primeiro Salão Alemão de Outono em Berlim (na Galeria Der Sturm, exposição onde participa igualmente Amadeo de Souza-Cardoso), expondo pintura, a Prose…, cartazes e vários obejctos simultâneos.

O início da I Guerra Mundial apanha o casal em viagem estival a Espanha. Vivem alguns meses em Madrid de onde, no final da Primavera de 1915, partem para Lisboa, acabando por se instalar em Vila do Conde em Junho de 1915. A “luminosidade violenta” do norte do país, a animação  das ruas, dos mercados, das danças, as cores dos trajes, das louças populares, que lembram a Sonia a Rússia da sua infância, são outros tantos motivos de atração que os levam a prolongar a estadia em Portugal até Janeiro de 1917 (regressam a Portugal, a Valença do Minho, mesmo após uma denúncia anónima de espionagem que os obriga a viver em Vigo durante algum tempo). Ambos trabalham intensamente durate o período português, aplicando e desenvolvendo as suas pesquisas sobre a cor na construção da forma. A qualidade da luz em Portugal permite-lhes “ir mais além das teorias de Chevreul e encontrar, para além dos acordes assentes nos contrastes, dissonâncias, isto é, vibrações rápidas que provocam uma exaltação maior da cor através da vizinhança de certas cores quentes e frias”. A ligação entre arte e vida torna-se ainda mais forte, numa vivência mais intensa.

Necessidades materiais, o assegurar de contactos que lhes permitam trabalho remunerado com o fim brusco dos rendimentos provenientes da Rússia na sequência da Revolução de 1917, levam-nos de volta a Madrid. Sonia inicia uma colaboração com os Ballets Russes de Diaghilev,  como figurinista do bailado “Cleópatra”, e abre a “Casa Sonia”, comercializando com sucesso os seus objectos, roupas e acessórios ‘simultâneos’.

Regressam finalmente a Paris em 1921, onde convivem com a “nova vanguarda dadaista e surrealista”: Philippe Soupault, Tristan Tzara e André Breton. Em 1922 Sonia realiza com Soupault um cortinado-poema e com Tzara o seu primeiro vestido-poema. Começa a produzir ‘tecidos simultâneos’ para uma casa comercial de Lyon, desenvolvendo gradualmente a sua produção até atingir uma escala considerável e um grande sucesso (30 empregadas na década de 1930, um número crescente de encomendas). A sua participação na Exposição Internacional de Artes Decorativas, em Paris, 1925, juntamente com o costureiro Jacques Heim, é determinante para a crescente divulgação e sucessos dos seus tecidos. Data da década de 1930 a sua relação profissional e de amizade com Jacques Damase, que regista a coerência da criação visual pictórica e aplicada de Sonia Delaunay “As suas colecções de costura”, vendidas a partir da Boutique Simultanée, elegantemente instalada nos Champs Élysés, “são uma colecção de quadros vivos. Ela continua a sua ideia de 1913, data do seu primeiro vestido simultâneo: porque os vestidos, para ela, são como arquitecturas de cores que soam como uma fuga; um vestido, um casaco, é uma porção de espaço ordenada e concebida pela matéria e pelas dimensões.”

Em 1937, Robert e Sonia recebem a encomenda da decoração dos Pavilhões do Ar e dos Caminhos-de-Ferro para a Exposição Internacional de Paris. Sonia executa dois grandes paineis murais intitulados “Viagens Longínquas” e “Portugal” e ainda três painéis sobre aviação. Organiza com Robert e amigos, entre os quais Jean Arp, Marcel Duchamp, Jacques Villon, Albert Gleizes, o Primeiro Salão des Realités Nouvelles, em 1939, dedicado à arte abstracta. Robert já gravemente doente, morre em 1941, em Montpellier.

Sonia Delaunay regressa a Paris em 1945, mantendo uma constante actividade expositiva, ligada à arte concreta e arte abstracta. Inicia os seus estudos para o Alfabet, colabora na organização de exposições retrospectivas e de homenagem a Robert Delaunay, inicia uma vasta produção litográfica, participa na criação do grupo Espace. Em 1958 expõe duzentas e sessenta obras na Kunsthaus de Bielefeld para onde realizará, em 1960, um baralho de cartas que virá igualmente a ser editado pela Fundação Gulbenkian, já nos anos 1980. Em 1963 a doação ao Museu Nacional de Arte Moderna de um conjunto de cento e dezassete obras de sua autoria e de Robert Delaunay é exposta no Louvre.

A sua obra, objecto de interesse sempre renovado e de uma cada vez maior difusão, torna-se incontornável no contexto do modernismo europeu das primeiras décadas do século XX e do desenvolvimento da arte abstracta até aos anos 1960. A década de 60 verá o seu reconhecimento institucional alargado aos Estados Unidos e a confirmação em França, com a organização da grande retrospectiva no Museu Nacional de Arte Moderna em 1967. Evocando a obra e a relação da artista com Portugal, a Fundação Calouste Gulbenkian organiza, em Lisboa em 1972, a exposição “Sonia e Robert Delaunay em Portugal, e seus amigos Viana, Sousa-Cardoso, Pacheco e Almada Negreiros” e em 1982 “Robert e Sonia Delaunay, 1885-1979”.

 

Nota: as citações entre aspas pertencem à autobiografia de Sonia Delaunay, Nous irons jusqu’au soleil, publicada em 1978, Paris, Éditions Robert Laffont

Atualização em 16 abril 2023

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