Luís Noronha da Costa
S/Título (Branco)
Lisboa, Portugal, 1942 – Lisboa, Portugal, 2020
As primeiras colagens de Noronha da Costa, de 1965-1966, compunham-se de folhas de revistas de atualidade embebidas em óleo de linho de forma a ficarem translúcidas. Assim, os conjuntos figurativos da frente e do verso das folhas interferiam entre si, como se fossem ecrãs de duas imagens sobrepostas, invertidas e multiplicadas. Abrindo o seu trabalho à desconstrução e fragmentação dos significados das imagens e aos problemas da perceção, a ideia do ecrã torna-se absolutamente central na sua obra. Prosseguiu-a numa série de têmperas vinílicas sobre platex, onde a pintura era usada sem quaisquer ilusões tridimensionais, com recortes impressos, ou então figurando o negativo das figuras através da sua silhueta negra, à semelhança do trabalho de Lourdes Castro.
É também nesta altura que começa a criar objetos que marcam, de modo definitivo, a transição para a «realidade da imagem e não a imagem da realidade»*, definindo as bases iconoclásticas do seu trabalho futuro. O artista assumiu estes objetos, feitos de materiais simples – plintos, vidros polidos ou foscos, garrafas, lâmpadas ou esferas –, como «anti-pintura». São jogos de reflexos, duplicações e desfoques, que funcionam como dispositivos óticos, desestabilizando a perceção e confundindo espaços reais e virtuais.
Noronha da Costa expôs estes trabalhos pela primeira vez em 1967, na Galeria Quadrante (Lisboa). Em menos de três anos a aclamação crítica resultou em múltiplos galardões: o segundo lugar ex-aequo do Prémio GM (1967); Menção Honrosa (1968) e Grande Prémio (1969) SOQUIL ; e outra Menção Honrosa na Exposição Mobil de Arte (1970). Além de várias exposições individuais, Noronha destacou-se no crescente mercado da arte nacional, sendo ainda escolhido para representar Portugal na X Bienal de São Paulo (1969) e na 34ª Bienal de Veneza (1970).
No seguimento desta fase objetual, Noronha confina a sua investigação sobre a imagem, ou sobre a impossibilidade dela, à pintura, numa espécie de recuo clássico. O uso pioneiro da pistola de spray, recorrente na sua obra, permitia uma pintura de projeção de tinta sobre superfícies de vidro ou espelho em que se redefinia a questão do ecrã, da figuração e da luz, com que trilha um percurso solitário entre a ortodoxia e a heterodoxia artística definidas pela época. Avesso aos eventos multidisciplinares pregados pelas vanguardas nos anos 70, a iconoclastia de Noronha desvia-se desta frente, por entender a imagem como princípio e fim da arte: «nas artes ditas plásticas» – declarou – «ou se pensa o fim da imagem, e, portanto, a imagem, ou se enche o mundo de lixo.»**
Tomando como ponto de partida um tipo de pintura figurativa que se julgava defunta, Noronha não escamoteia a sua suposta artificialidade, que a pintura abstrata evidenciara. Pelo contrário, procura expor a irreconciliação das imagens com o mundo, coisificando a barreira virtual entre realidade e imagem, o ecrã transparente através do qual vemos as aparências. Em lugar da abstração, usa a representação para pôr em cheque a própria mimese, no confronto e na interpenetração de várias linguagens visuais. Confronto que se reflete nos títulos das suas mostras individuais, de Magritte Após Polanski (Galeria Quadrante, 1969) a Piero della Francesca após Lúcio Fontana (Sociedade Nacional de Belas Artes, Lisboa, 2005).
Trata-se de uma codificação aberta da imagem, explicitamente cúmplice com o observador, mostrando tudo no mesmo plano e culminando na pintura serial, estruturada em grelha, em cujas quadrículas se divisam fotogramas, cambiantes lumínicos, velas, lâmpadas elétricas ou discos solares, que apontam para os valores clássicos da pintura ocidental.
A pesquisa da imagem dentro da imagem, sem motivos externos, resulta na proliferação de procedimentos internos aos quadros, como a duplicação, disjunção, repetição e sobreposição de figuras, a difusão e desfoque de formas e contornos, ou mesmo a sabotagem do ícone. Como nas colagens e objetos iniciais, não se trata de criar imagens, mas de sondá-las através de uma visão desmultiplicada, decompondo o olhar humano quase ao nível de uma lente. Por isso, Noronha da Costa cita amiúde as suas próprias obras, num reenvio constante, e apropria-se de imagens pré-existentes da moda ou da publicidade, da história da pintura, da fotografia ou do cinema.
Expondo-se a vários quadrantes da cultura visual nos anos 60 e 70, a obra de Noronha da Costa ficou marcada pelas suas incursões no cinema experimental. Foi, também, crítico e teórico do cinema, com artigos sobre Godard, Fisher, Ozu, Dreyer, Syberberg, Hitchcock, entre outros. Daí resultou uma intersecção experimental dos géneros visuais do cinema e da pintura, que o levou, aliás, a expor na histórica Cinemateca Francesa (Paris, 1974), a convite de Henri Langlois.
O trabalho de Noronha da Costa mereceu duas retrospetivas na Fundação Calouste Gulbenkian (1983 e 2002) e uma terceira no Centro Cultural de Belém (Lisboa, 2003). Quarenta anos depois dos galardões acima mencionados, Noronha da Costa recebeu o Prémio Europeu de Pintura do Parlamento Europeu (1999) e o Prémio AICA/MC (2003).
Afonso Ramos
Outubro de 2011
* Noronha da Costa in Luís Noronha da Costa. Dois anos de trabalho, Lisboa: Galeria Quadrum, 1976, p. 7.
** Noronha da Costa, “Três palavras sobre a minha pintura” (1979), in Noronha da Costa revisitado, Lisboa: CCB, Edições ASA, 2003, p. 302.
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Sem título
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Pôr do Sol
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S/Título (Cena de Atelier)
Pintura
O Azul Eterno do Mediterrâneo
Mar Português (da série: Mares portugueses)
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Composição
s/ título (objecto)
Pintura
s/ título (objecto)
S/Título
S/Tìtulo
Do Subnaturalismo ao Sobrenaturalismo (Pintura Fria)
Natureza Morta – Os Lusíadas
s/título
S/Título (Branco)
Composição Azul