Emmerico Nunes

Lisboa, Portugal, 1888 – Sines, Portugal, 1968

Meio alemão pela mãe (descendente longínqua de Luís Filipe II da Baviera), de quem herda igualmente uma ascendência italiana, e meio português pelo pai, tanto a vida e como a obra de Emmerico Hartwich Nunes seriam fortemente marcadas pela sua condição de artista entre duas pátrias. Ambos os espaços mentais assomam nas duas artes que praticou com intenso e idêntico prazer: o desenho humorístico e a pintura. Com o primeiro, ganharia confortavelmente a sua vida em Munique (1911-1914) e em Zurique (1914-1918), depois de cinco anos de formação em Paris (1906-1911). A segunda, praticá-la-ia sempre, sem nunca lhe poder, porém, dedicar uma atenção exclusiva, ou tão só nos últimos anos da sua existência.

Um dos nomes próprios de Emmerico Nunes reside na maneira como conduz o traço contínuo, certeiro e perfeitamente dominado com que capta e transcreve os usos e costumes dos seus contemporâneos bávaros na revista alemã Meggendorfer Blätter (Munique, 1888-1944), de que foi colaborador principal entre 1911 e 1924. Semelhante maestria implica uma grande cumplicidade entre o artista, as personagens e os temas tratados, inscrevendo-se aqui a ascendência alemã herdada pelo lado da mãe. Nos desenhos humorísticos daquele tempo perpassa todo um pequeno mundo local com que Emmerico se identifica – e é precisamente desta identificação que decorre a excelência da obra, única no panorama da historiografia da arte portuguesa. Não se encontram com igual constância nos desenhos que executou para a imprensa portuguesa, o à-vontade, a justeza de execução e a qualidade gráfica dos desenhos deste período, facto a que não será alheio o desconforto existencial do artista, depois do regresso definitivo ao país natal, na década de 1920.

A historiografia da arte portuguesa, que Alfredo Margarido em tempos epitetou de historiografia de patriotas, tem uma dívida para com artistas «entre pátrias» como Emmerico. Se, por um lado, ela se serviu da sua longa colaboração na revista alemã e do reconhecimento do artista português numa praça europeia de renome para daí colher alguns louros, ela sempre o subalternizou, com igual ligeireza, classificando-o de artista «pequeno-burguês» e «naïf». Numa altura em que, após uma longa noite, importava inscrever a arte portuguesa no panorama da historiografia moderna, o que, por sua vez, dentro de imediatas preocupações comparativas em termos estéticos, passaria pela compilação de indícios que permitissem aproximar a produção nacional dos movimentos modernos internacionais identificados como tal, a historiografia do final do Estado Novo e do pós-25 de Abril não encontraria, na obra de Emmerico, os almejados sinais de modernidade. Rotulando-o de «conformista» arrumava-o numa prateleira, até hoje.

Volvidos agora 40 anos e com o recuo que o tempo permite, terá chegado a altura de rever e de dar novos enfoques à vastíssima obra de Emmerico Nunes, que, para além de centenas de desenhos humorísticos publicados em periódicos alemães, suíços, holandeses, espanhóis e portugueses, inclui ampla e interessante produção de pintura (retrato, auto-retrato, paisagem), toda ela por estudar e cuja qualidade plástico-estética foi, do ponto de vista de outros pintores e admiradores da sua obra, sempre superior ao desenho humorístico.

 

Isabel Lopes Cardoso

Maio de 2010

Atualização em 16 abril 2023

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