António Carneiro

Amarante, Portugal, 1872 – Porto, Portugal, 1930

António Teixeira Carneiro Júnior nasceu em Amarante. É um dos nomes maiores da pintura e do desenho em Portugal, na transição do decadentismo da arte finissecular para a experimentação modernista. A criação frenética de paisagens e autorretratos, cenários religiosos e históricos, em centenas de óleos, sanguíneas e aguarelas, fez-se reagindo ao naturalismo dos pares, numa aproximação invulgar à cultura simbolista. Defendendo a arte como culto do espiritual e do belo, pôs estes valores no centro da sua obra plástica e poética, duas vertentes que articulou no movimento literário d’A Águia e na Renascença Portuguesa. Cultivando uma persona profética, empenhada religiosamente na arte, o seu foco crescente na ideia de interioridade e idiossincrasia leva-o a gestos líricos, abstratos e expressionistas. A sua obra vasta foi premiada fora de fronteiras, com sucesso no Brasil, e objeto de homenagens oficiais em Portugal, inscrevendo-o na história como um dos batedores da modernidade artística lusitana. António Carneiro morreu no Porto. A Casa-Oficina António Carneiro foi aberta ao público (1973) e além da sua obra se encontrar entre os principais museus nacionais, foram-lhe dedicados espaços permanentes em várias instituições culturais regionais.

Longe do pai e órfão da mãe, António Carneiro entrou para o Asilo do Barão da Nova Sintra, Porto (1879-1890), onde o gosto por copiar ilustrações religiosas lhe garante a sua precoce admissão à Academia de Belas-Artes do Porto, afim de estudar desenho histórico com Marques de Oliveira (1884-1890). Prossegue a aprendizagem de escultura com Soares dos Reis (1889), mas o suicídio deste leva-o a transferir para pintura com João António Correia (1890-1896), ao mesmo tempo que, no ambiente de tertúlia de então, publica poemas, participa em exposições e dirige a revista “Geração Nova”. A ligação literária e plástica manteve-se na sua associação ao movimento filosófico da trágica geração de intelectuais portuenses do final do século, tendo o encontro com Teixeira de Pascoaes em Amarante sido o mais marcante, numa douradora amizade criativa. Com uma bolsa do marquês de Praia e Monforte, Carneiro foi para Paris estudar na Académie Julian sob os pintores Jean-Paul Laurens e Benjamin Constant (1897). Viaja por Itália e pela Bélgica (1899), anos nos quais consuma o seu gradual afastamento dos valores naturalistas dominantes em Portugal, e adota o discurso simbolista. Ainda em França, obtém a medalha de prata na Exposição Universal em Paris (1900) com o tríptico A Vida, uma das maiores obras-primas da história da pintura nacional.

Volta para Portugal no ano seguinte. Tem duas exposições individuais, na Misericórdia do Porto (e, novamente, em 1902) e Salão da Ilustração Portuguesa, Lisboa, embora a falta de mercado contrarie o ritmo a que produz as suas obras, no invulgar discurso sacralizante, enaltecendo figuras da nação. Participa no 3º Salão da Sociedade Nacional de Belas-Artes (1903), e obtém medalhas de prata na Exposição Internacional de St Louis (1904) e ex-aequo com Carlos Reis na Exposição Internacional de Barcelona (1907), e uma medalha de ouro na Exposição do Centenário do Rio de Janeiro (1908). Em 1911, Carneiro é nomeado Professor na Academia de Belas-Artes do Porto (nomeação definitiva em 1918), e após voltar para Paris temporariamente, começa no ano seguinte a dirigir a revista Águia com Pascoaes, como responsável da ilustração e coordenação literária. Ao longo dos anos de 1910, ilustra também livros de António Correia de Oliveira, João de Deus ou Visconde de Vila Moura. Porém, sem conseguir viver da arte, procura fortuna diferente no Brasil durante dois anos (1914-1916), onde consegue várias mostras individuais na Galeria Jorge (Rio de Janeiro) e na Associação Comercial do Paraná (Curitiba). Além da proliferação de autorretratos, e de iniciar a fabulosa crónica, informal e experimental, da vida familiar, Carneiro, que não tinha ainda estúdio, passava largas temporadas em casas de amigos no norte de Portugal, donde tira as paisagens emblemáticas da sua obra, centenas de marinhas das praias de Leça da Palmeira e Figueira da Foz, e das termas de Melgaço, em óleos, esboços e aguarelas. Porém, enquanto a obra caminhava para a expressão solipsista, íntima, espiritual, os anos de 1920 são de revelação, exposição e reconhecimento público.

Além duma exposição individual na Sociedade Nacional de Belas-Artes (1922), Carneiro teve homenagem pública da cidade de Amarante com Teixeira de Pascoaes (1924), ao mesmo tempo da inauguração (com uma exposição) da sua oficina na rua de Barros Lima (hoje Rua António Carneiro), Porto, morada que partilha com o filho, Carlos Carneyro, originando tertúlias mais tarde douradas pelos sonetos nefelibatas. Conseguido um estúdio, e novamente homenageado pelo Palácio da Bolsa do Porto, Carneiro volta ao Brasil (1929). Expõe no Rio de Janeiro e São Paulo, onde realizou as vendas mais importantes de obras na sua carreira. Foi entretanto nomeado Diretor da Academia de Belas-Artes do Porto, cargo que não chega a exercer. O “franciscano da belleza”, como ficara conhecido no Brasil, morre pouco depois do regresso. Desde então, a obra atrai várias exposições, desde as ilustrações da Divina Comédia (Roma, 1964, Ateneu Comercial do Porto, 1965, Assumption College, 1967), a retrospetivas menores (SNI, Lisboa; Escola Superior de Belas-Artes, Porto, 1958; CMT Matosinhos, 1960) e de grande escala, na Fundação Calouste Gulbenkian e Museu Soares dos Reis (1973), ou uma antológica no CAM (2005). Publicada a obra poética em Solilóquios: sonetos póstumos (1936), com introdução de Júlio Brandão, foi também criada a Sala António Carneiro no Museu Municipal Amadeo de Souza Cardoso (1953), aberta ao público a sua Casa-Oficina António Carneiro no Porto (1973) e dedicado um espaço para a sua obra no Museu da Quinta de Santiago da Câmara em Matosinhos (1996).

 

Afonso Ramos

Fevereiro de 2013

 

 

Atualização em 13 abril 2023

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