CAM em Movimento: Gabriela Albergaria

Podemos seguir numa outra direção?

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A convite do Centro de Arte Moderna Gulbenkian, Gabriela Albergaria concebeu uma nova instalação para um contentor marítimo localizado em espaço urbano.

Para esta nova instalação, a artista convoca os temas que há muito atravessam o seu trabalho, em torno das relações culturais, históricas e económicas com a natureza, na sua tradição ocidental. Nas obras de Gabriela Albergaria, estas relações têm sido enunciadas e trabalhadas a partir de uma reflexão sobre o jardim e a paisagem (enquanto espaços naturais desenhados, contruídos e regulados) ou de uma reflexão sobre a aclimatação-deslocação de plantas que nos remete para práticas extrativistas e intensivas, no contexto alargado do projeto colonial (colonização da natureza).

Mais recentemente os seus trabalhos tem vindo a interrogar, com sentido de urgência, a predação e a destruição dos ecossistemas, interrogação que a artista traz para o presente projeto. A artista concebe uma instalação-intervenção visualmente generosa, sensorial e empática, propondo um espaço de mediação e ativação de saberes (informais e/ou ancestrais), reencenando poeticamente ações centradas na regeneração, recuperação e reutilização de práticas, materiais e objetos usados, refletindo sobre a questão do desperdício.

Com uma vertente escultórica, recuperando e reutilizando madeiras usadas que cobrem a superfície interior e exterior do contentor, a instalação acolhe ainda no telhado um pequeno jardim sustentável, semeado na inauguração (workshop de bombas de sementes orientado por Leonor Pêgo). O interior recebe ainda textos desenhados a lápis de cor sobre vários papeis reutilizados, frases que a artista retirou do livro Direitos da Natureza: ética biocêntrica e políticas ambientais de Eduardo Gudynas, e que se debruça sobre os sistemas de valorização da Natureza.

No título do projeto – Can we go in a new direction? [Podemos seguir numa outra direção?] –, inspirado na obra After the End de Ben Okri, a artista lança e partilha uma pergunta central à nossa existência coletiva no planeta: se podemos ainda mudar de direção, reaprender ou reinventar outros modos de estar e de fazer em conjunto, de forma partilhada, alterando a nossa relação predadora e consumista com a natureza. Gabriela Albergaria imaginou este contentor como um espaço comum, para habitar, para interromper o fluxo produtivo dos nossos quotidianos, um lugar para ações e intervenções participadas e workshops, envolvendo na sua génese moradores, associações e estruturas locais.

O contentor, instalado junto à entrada do centro comercial Fonte Nova em Benfica, encontra-se numa praça que, de acordo com a artista, convoca algumas das ambivalências de uma cidade como Lisboa: uma praça com um pequeno quiosque com mesas e cadeiras, mas onde as arvores jacarandás servem de sombra aos carros estacionados de um imenso parque de estacionamento, perto de vias rápidas. Não muito longe, quase ali ao lado, a cidade encontra-se com Monsanto e a sua vasta zona verde. E o projeto negoceia igualmente esta singular geografia, entre uma zona fortemente urbanizada e o Parque Florestal de Monsanto, que pode bem ser um dos pontos de partida para repensarmos outras direções nos espaços e lugares que habitamos.

 

 

Todo o meu trabalho enquanto artista se preocupou em criar ligações com a Natureza no sentido da chamada de atenção para a necessidade de uma união Homem/Natureza. Para isso recorri sempre a estudos de campos do conhecimento que abarcam desde a agricultura ou jardinagem, situações mais vernaculares, até situações da ciência, da antropologia etc.

Visitar locais onde a natureza está presente tem sido também uma opção de pontos de partida para alguns projetos. Assim, visito e visitei várias paisagens históricas, ou não, mas que de alguma forma me suscitaram a curiosidade.

Integrei uma visita de cientistas à Amazónia, fiz viagens de campo pelos Estados Unidos, onde visitei parques naturais e explorei paisagens menos conhecidas para mim. Viajo sempre que posso por locais mais ou menos remotos, ou apenas pelo jardimfloresta atrás de casa, ou pela praça com duas árvores por onde passo frequentemente. Estas visitas são acompanhadas de uma prática de recolha de imagens, desenhos, objetos e histórias que depois são trazidos para o ateliê e a partir daqui elaboro as peças possíveis.

Nos últimos anos interessei-me pela ação de recuperar, reutilizar, e preocupo-me sempre em usar materiais mais ou menos perecíveis, não agressivos para o ambiente e que possam, de alguma forma, mais tarde ou mais cedo, voltar ao seu estado de terra, solo.

A conceção desta peça, a qual dou o nome de Can we go in a new direction? [Podemos seguir numa outra direção?], parte do pressuposto dado pelo próprio projeto: um contentor que pode conter arte contemporânea.

Por um lado um recetáculo, por outro uma atitude.

Interessou-me desde o início usar o espaço do contentor como espaço, mas também como lugar que recebe ações.

Ao pensar no contentor como espaço para conter arte, recusei de imediato uma ideia de contemplação de arte num contentor, por não em parecer adequado e por razões que nem sei explicar.

O que me apeteceu foi mesmo pensar em criar um espaço comum, com habitações esporádicas de ações comunitárias e que criassem alguma relação de educação/ chamada de atenção com o publico que passa nesse lugar em Benfica.

Este contentor está ao lado da entrada de um centro comercial, mas também ao lado de uma esplendida pequena «plantação» de jacarandás e que infelizmente serve de sombra para o estacionamento de carros e não para sombra de uns banquinhos de jardim.

O local tem um conjunto de estradas de alta velocidade, mas também está muito próxima, distancia a pé, de Monsanto. Próximo tem um quiosque para beber café e umas mesinhas para sentar. Muitos outros detalhes contribuíram para eu decidir que o ideal seria usar o espaço como sala de ações, que convidam a pensar se de facto não podemos seguir numa nova direção?

Uma ação de repensar a nossa atitude perante o desperdício.

A ideia de recuperar ou de retomar a atenção aos detalhes de por exemplo o ciclo completo da Natureza passando pela (re)observação de sistemas mais vernaculares de fazer as coisas. Recuperar, remendar, reutilizar. Pontos de partida para esta peça/espaço.

A ideia é usar madeiras de utilizações anteriores e cobrir o contentor nas duas faces laterais obtendo duas paredes onde a história das madeiras fica presente. Nos dois topos, o contentor continua com o seu especto original.

O telhado idealmente será um telhado “verde”. Referencia à natureza, mas também a uma ideia tão usada na arquitetura de usar a terra e os telhados verdes como forma de refrescar as casas.

Creio obter assim um espaço que se relaciona também com a escultura de alguma forma. Se fechar as portas do contentor temos 4 pontos de vista diferentes uns dos outros e um topo que acrescenta outro sentido áquilo que pode ser uma escultura.

O interior repete de alguma forma o exterior, mas será tratado como se fosse madeira nova. Tem que «sofrer» a ação da lixa provavelmente. O chão também deve ser de madeira assim como o teto.

A ideia é criar a cabana de madeira, estranha, mas sim uma cabana de madeira. O plano de ter uma parede de vidro ou acrílico no topo já foi desenvolvido pela Sofia e temos desenhos que ela entregou. Esta parede de vidro permite entrada de luz natural e repensar a claustrofobia que este espaço pode exercer em algumas pessoas. Temos que ter luz artificial. Linhas de luz tipo fluorescente com luz de dia.

Uma rampa para acesso ao interior e manter diariamente o hábito de abrir as portas de manhã e fechar á noite.

As paredes no interior vão ser suporte para uma outra peça que tenho estado a desenvolver e que agora me parece ser um local ideal. Trata-se de textos desenhados a lápis de cor, sobre vários papeis reutilizados. Ficam linhas de texto, mais longos ou menos e que vão ser instalados no espaço de maneira a criar vários sentidos e conexões.

Os textos são referencias ao livro Direitos da Natureza de Gudynas, e que se debruça sobre os sistemas de valorização da Natureza. Talvez tenham que ser protegidos com placas de acrílico simples para evitar roubos, mas também serem tocados.

Podem ser presos à parede com ímanes e protegidos com placas de acrílico cortados à medida. Ou posso pensar também numa outra solução de concentrar os textos numa área e ter uma grande placa de acrílico nessa área.

O interior deste espaço vai ter bancos e mesas para dar oportunidade de se poderem realizar uma serie de ações em formato de workshop. Estas ações vão ser desenvolvidas pelo departamento de Educação do CAM.

 

Gabriela Albergaria

6 dezembro 2022

O trabalho de Gabriela Albergaria (Vale de Cambra, 1965) envolve um território: a natureza. Uma natureza manipulada, plantada, transportada, hierarquizada, catalogada, estudada, sentida e recordada através da exploração contínua de jardins em fotografia, desenho e escultura. A artista vê os jardins como construções elaboradas, sistemas de representação e mecanismos descritivos que simbolizam um conjunto de crenças fictícias que são empregues para representar o mundo natural. Os jardins são também ambientes dedicados ao lazer e ao estudo, processos culturais e sociais que produzem uma compreensão histórica do que é conhecimento e do que é prazer.

Mais genericamente, as imagens de jardins e espécies vegetais utilizadas pela artista são usadas como dispositivos para revelar processos de mudança cultural através dos quais são produzidas visões da natureza. Mediadas por sistemas de representação, geram diferentes versões do que vemos como paisagem – um sistema complexo de estruturas materiais e hierarquias visuais, construções culturais que definem o enquadramento do nosso campo visual.

Desde 1999, Gabriela Albergaria tem exposto regularmente em todo o mundo, incluíndo as seguintes exposições individuais: Para onde agora?, MAC, São Paulo (2022), A Natureza Detesta Linhas Retas, Culturgest, Lisboa, Portugal (2021); ...an adventure in which humans are only one kind of participant..., Galeria Vera Cortês, Lisboa, Portugal (2019); Natures’s Afterlives, Sapar Contemporary, Nova Iorque, EUA (2019); Ridge and Furrow [Vala e Cômoro], Painters Garden – Botanical Garden of de Art Center Casa da Cerca, Almada/Lisboa 2019; Pinch Pinch Pinch, Projecto Intervenções, Museu Lasar Segall, São Paulo, Brasil (2018); Ah, Al Fin Naturaleza, Flora ars+natura, Bogotá, Colômbia (2016); Ah, Finalmente, Natureza, Fórum Eugénio de Almeida, Évora, Portugal (2015); Two Trees in Balance, Socrates Sculpture Park, Nova Iorque, EUA (2015) e Galeria Vermelho, São Paulo, Brasil e Hacienda La Trinidad Parque Cultural, Caracas, Venezuela (2013).

 

Esboço de Gabriela Albergaria para o projeto «Podemos seguir numa nova direção?», 2023
Esboço de Gabriela Albergaria para o projeto «Podemos seguir numa nova direção?», 2023

Em Benfica, este projeto conta com o apoio da Junta e Freguesia de Benfica e do Centro Comercial Fonte Nova e do Grupo Blueotter na concessão das madeiras.


CAM EM MOVIMENTO

CAM em Movimento é uma programação «fora de portas», que reúne um conjunto de intervenções site-specific de artistas e exposições com obras da Coleção em diferentes espaços da cidade de Lisboa e da área metropolitana.

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Susana Gomes da Silva

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