Escultura em Filme. The Very Impress of the Object
Em Londres, no ano de 1855, um orador dava uma conferência sobre a catedral de Notre-Dame em Paris. Tendo já a possibilidade de apresentar à sua audiência fotografias da escultura que encima o portal ocidental, o orador sugere que a imagem é tão verdadeira que pode bem ser «a própria impressão do objeto». A ideia de que o objeto fotografado deixa, literalmente, a sua impressão no filme, é uma ilusão; e, no entanto, os filmes apresentados nesta exposição aproximam-se tanto da escultura que quase sentimos a sua impressão.
A escultura clássica deixou de fazer parte dos programas de ensino e parece cada vez mais distante. No entanto, está presente, de forma notável, em obras de artistas contemporâneos, sobretudo em filme, e, através do filme, é trazida de volta à vida.
Através da apresentação de obras de sete artistas que desenvolvem o seu trabalho em diferentes pontos da Europa, a presente exposição explora o fascínio que a escultura exerce sobre os realizadores. Deste modo, somos guiados através de diversos museus, desde o Museu do Louvre até aos Museus Capitolinos, de Paris a Roma, seguindo até Atenas, com passagens por Berlim, Munique e Londres.
A imobilidade própria da escultura, o seu silêncio, parecem provocar o artista, impelindo-o a usar a imagem em movimento. Estas peças exploram os modos como a escultura antiga – seja inteira ou fragmentada, em exposição ou nas reservas, original ou reprodução – se revela interessante para certos artistas, sendo ainda capaz de evocar questões acerca da arte e do poder. São obras que nos convidam a passar tempo com objetos imóveis, a conhecê-los melhor.
Curadoria: Penelope Curtis
Anja Kirschner e David Panos
Ultimate Substance
HD video still, 2012.
Anja Kirschner e David Panos realizaram esta obra durante o auge da crise financeira de 2008. A sua investigação acerca dos sistemas de troca e de valor de mercado despertou nos artistas o interesse pela cunhagem de moedas na Atenas antiga. A cunhagem de moeda é algo que faz parte da nossa vida quotidiana assim como um sistema conceptual altamente sofisticado.
Este filme aborda esse sistema, ao colocar em contraste o metal bruto proveniente das minas próximas de Atenas com o produto final, o qual, tal como a arte, depende de um sistema de crenças e juízos estéticos que lhe atribui valor. O filme é simultaneamente muito físico e fortemente intelectual; a disjunção confere-lhe força.
Fiona Tan
Inventory
Instalação HD e video, 2012. Cor, stereo, duração 17 min. Repetições a cada 20 minutos. 6 masters de segurança, 3 projetores de vídeo (3:4), 3 projetores HD (16:9), 6 leitores de vídeo sincronizados, hub, amplificador, e colunas stereo. Courtesia da artista e de Frith Street Gallery, Londres
Fiona Tan realizou o seu filme no John Soane’s Museum, em Londres. Soane foi um grande colecionador de fragmentos do passado clássico; enquanto arquiteto, gostava de recolhê-los e arrumá-los em sua casa. Estas mise-en-scène encontram-se ainda em exposição, quase 200 anos depois.
Tan teve consciência de que estava a trabalhar como artista dentro de uma longa tradição artística, na qual os jovens artistas copiam os mestres do passado. Sentiu que necessitava de estar à altura do desafio. Em vez de optar por um único medium, como normalmente faria, decidiu usar todo o tipo de câmaras e filmes que compõem o seu vocabulário. Deste modo, o seu ecletismo ecoa o do colecionador, tendo ambos compilado inventários, tipos de objetos, ou tipos de media.
Lonnie van Brummelen e Siebren de Haan
Monument to Another Man’s Fatherland: Revolt of the Giant, reconstruído a partir de reproduções, 2008-2009
35mm film stills
Lonnie van Brummelen e Siebren de Haan realizaram esta obra em resposta aos desafios impostos pelas restrições de direitos autorais. Pretendendo inicialmente filmar o Altar de Pérgamo, em Berlim, acabaram por entregar-se à recolha das suas reproduções impressas.
Esta busca minuciosa começou por ser uma necessidade, mas tornou–se algo, não só prazeroso, mas também libertador. A investigação permitiu-lhes descobrir vários pormenores do altar, impressos em diferentes momentos. Os artistas acabaram por encontrar grande parte dos seus elementos, conseguindo obter uma vista geral quase completa. Este ato de recuperar fragmentos está próximo daquilo que aconteceu com a maior parte da escultura antiga.
Deste modo, os artistas sentiram que começavam a ter acesso a um passado clássico do qual se tinham sentido, até então, excluídos.
Mark Lewis
Nude
6K convertido para 2K, 5’49”. Still do filme cortesia e copyright da artista e de Daniel Faria Gallery, 2015.
Mark Lewis realizou vários filmes, sobre diferentes temas. A escultura é apenas um dos assuntos que explorou, na sua tentativa de analisar o modo como olhamos os objetos e, talvez, também o modo como eles nos olham.
Este artista realizou uma pequena série de cinco curtas-metragens no Museu do Louvre, uma das quais centrada na famosa obra Hermafrodita Adormecido. Esta escultura exige que circulemos à sua volta para nos revelar a sua identidade completa.
Apesar de esta obra fazer parte da exposição permanente do Museu do Louvre, o filme é enriquecido pelo facto de ter sido rodado fora de horas. A atmosfera noturna parece adequar-se à figura adormecida, carregada de sexualidade. Este filme faz-nos refletir acerca da relação entre as questões de género e o ato de olhar, parecendo permitir-nos um acesso privilegiado a algo secreto.
Rosa Barba
The Hidden Conference: A Fractured Play
Filme de 35-mm, cor, som óptico, 5 min. 2012. Still de filme © Rosa Barba
Rosa Barba interessa-se pela arqueologia e pelos diferentes vestígios que se podem encontrar nas mais diversas superfícies, independentemente da sua escala. A artista trabalha sobretudo com filme, abordando vários temas, mas com um interesse especial pelas reservas dos museus, destacando as pinturas e, especialmente, a escultura.
Barba foi autorizada, em diferentes momentos, a filmar as reservas da Tate Gallery de Londres, da Neue Nationalgalerie de Berlim, e dos Museus Capitolinos de Roma. Estas últimas servem de tema à obra em exposição. Neste caso, as esculturas são peças que provavelmente nunca serão mostradas ao público, ou que aguardam restauro.
O filme de Rosa Barba aborda, de certa modo, a recuperação das esculturas, através do simples ato de lhes dar atenção, e assim procurando compreendê-las melhor. A possibilidade de que estas peças possam conter algum conteúdo secreto converte o filme de Barba numa investigação quase forense.
Foto no topo: © Ricardo Oliveira Alves