O museu fora do armário: a presença da ausência

A teoria «queer» entrou no espaço dos Museus, trazendo novas leituras sobre as suas coleções. Neste artigo, André Murraças revela de que forma esta teoria pode ser aplicada à coleção do Museu Calouste Gulbenkian.
André Murraças 06 nov 2024 4 min

O termo queer (em inglês «estranho», «desviante») foi inicialmente usado de forma pejorativa para definir homossexual. A partir de 1990 passou a ser reclamado de forma afirmativamente positiva por todos aqueles que não se identificavam com a orientação heterossexual. O termo define então, presentemente, a variedade de identidades e práticas sexuais desconformes e de género, ou que abordam a sua ambiguidade.

A expressão queer foi também acolhida em âmbito académico e, no mundo artístico, passou a utilizar-se o conceito de queering para propor uma reinterpretação das obras de arte, destacando o seu caráter desafiador da normatividade ou revelador de significados anteriormente ocultos por tabus sociais. Em contexto de museu, a teoria queer pode ser um convite a um novo olhar sobre determinadas obras, pondo em discussão questões de género e de sexualidade.

A pintura O Rapto de Ganímedes, da autoria de Peter Paul Rubens e pertencente à coleção do  Museu Nacional del Prado, retrata o mito no qual Júpiter se enamora pelo jovem Ganímedes, conforme descrito por Ovídio nas suas Metamorfoses.Este é um exemplo de como a literatura e a mitologia contaram histórias de amor homossexual, não as diferenciando de outras relações afetivas. O facto desta obra existir no mesmo espaço que outras representações permite que se faça um trabalho de mediação, junto dos visitantes, que demonstre que estas vivências existiram, desde sempre, na sociedade.

Numa época em que se defendem conceitos como a inclusão e a diversidade, torna-se vital olhar para as coleções museológicas de diferentes ângulos. Recentemente, alguns museus abordaram as suas coleções procurando outras histórias, até então aparentemente escondidas. Queering the Museum parece ser um dos caminhos escolhidos para recontar o passado em alguns museus internacionais. Tanto a Tate Britain, em Londres, como o Metropolitan Museum of Art, em Nova Iorque, têm visitas guiadas ou virtuais onde se aborda a coleção na perspetiva dos géneros, das sexualidades transgressoras e da diversidade de identidades. Também a Tate organizou em 2017 a exposição Queer British Art 1861 – 1967, com obras de Gluck, Henry Scott Tuke, Simeon Solomon ou Duncan Grant. Em Madrid, no Museo Nacional del Prado, a exposição La mirada del otro. Escenarios para la diferencia, propunha outros olhares sobre Botticelli, Leonardo da Vinci, Guido Reni, Baccio Bandinelli ou Caravaggio, num convite a contemplar a realidade histórica das relações sentimentais entre pessoas do mesmo sexo. Mais recentemente, a exposição Living Stories: Queer Views and Old Masters,da The Frick Collection, em Nova Iorque, desafiou jovens artistas a reinterpretar a coleção sob os temas do género e da identidade. 

Nota-se, em Portugal, uma exploração museológica ainda tímida deste tema. Contudo, e apesar de a instituição não possuir uma coleção própria que possa ser relida na perspetiva queer, é relevante mencionar a exposição Adeus Pátria e Família, organizada pelo Museu do Aljube – Resistência e Liberdade, em torno da cronologia da luta pelos direitos LGBT desde o Estado Novo até ao pós-25 de abril.

Certo é que os museus têm nas suas coleções um vasto número de obras e artistas à espera de serem redescobertos e reinterpretados. Poderá então o queer passar pelas obras da coleção do Museu Calouste Gulbenkian?

Michael Langan mostrou que sim. No seu artigo A Coleção Gulbenkian sai do Armário Dourado?, e nas visitas guiadas à coleção do Museu intituladas Narrativas Queer na Coleção Gulbenkian, Langan salientou «a importância de sugerir leituras queer das obras de arte». Através das obras em exposição, Langan frisou a vida do pintor homossexual John Singer Sargent, realçou a estética camp nas peças de mobiliário e joalharia, e a teatralidade de alguns retratos. Explicou o simbolismo do crisântemo e da peónia nas obras de arte da China e do Japão «como representações codificadas do desejo homossexual». Por fim, deu a conhecer a obra Bustan, de Sa’di, que revela a história de amor entre dois homens.

Para além das obras mencionadas por Langan, existem outras na coleção do Museu que podem ser lidas através da lente da teoria queer. Nesta série, revelamos quais são estas obras e que diferentes perspetivas podem formar-se a partir desta mesma teoria.

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