Do manuscrito ao livro impresso
Livros europeus dos séculos XV e XVI na Coleção Gulbenkian
A imprensa nasce em meados do século XV, em Mainz (na atual Alemanha), graças às experiências de homens como Gutenberg, que alia os caracteres metálicos móveis à prensa, utilizada na produção vinícola. Através destas duas tecnologias, imprime-se sobretudo sobre papel, menos dispendioso do que o pergaminho, material empregue até então na Europa para a cópia e ilustração à mão (iluminura) de textos.
Ao permitir uma difusão mais rápida e económica relativamente ao livro manuscrito, respondendo a uma burguesia urbana e a universidades emergentes em busca de mais formas de transmissão do saber, o livro impresso, e ilustrado com gravuras sobre madeira, vai-se propagando progressivamente pela Europa dos séculos XV e XVI, acabando por substituir os manuscritos iluminados. Contudo, estas duas tipologias de livro vão conviver e influenciar-se, neste momento de transição entre Idade Média e Renascimento.
Nalguns exemplares da Coleção Gulbenkian, observam-se iluminuras do início do século XVI que incorporam querubins e enrolamentos de folhas de acanto com formas que caminham do Gótico para o Renascimento (fig. 1 e 2). Por outro lado, por comparação com o livro de horas iluminado entre 1460 e 1470 (fig. 3), vemos que o único livro impresso antes de 1501 (incunábulo) da Coleção (fig. 4) imita, na escrita e nas gravuras sobre madeira, os códigos formais do livro manuscrito, como a decoração nas margens ou os enquadramentos góticos das miniaturas.
![Livro de Horas (Horas de Ayala). Pinturas do Mestre das Cenas de David no Breviário de Grimani e colaboradores da sua oficina. Flandres (Bruges ou Gante), c. 1495-1505. Manuscrito sobre pergaminho. Fols. 168v-169r – Iniciais com Santa Catarina e Santa Bárbara. Museu Calouste Gulbenkian](https://cdn.gulbenkian.pt/museu/wp-content/uploads/sites/5/2023/09/fig-1-3.jpg)
![Livro de Horas (Horas de Holford). Pinturas do Mestre de Jaime IV da Escócia e assistente, e de Simon Bening. Flandres (Bruges ou Gante), 1526. Manuscrito sobre pergaminho. Fol. 15v – Anunciação. Museu Calouste Gulbenkian](https://cdn.gulbenkian.pt/museu/wp-content/uploads/sites/5/2023/09/fig-2.jpg)
![Livro de Horas. Pinturas de dois seguidores do Mestre de Adelaide de Saboia, de um iluminador do círculo do Mestre de Jouvenel e de um artista de Tours ao estilo de Jean Fouquet. França (Poitiers e/ou Tours ?), c. 1460-1470. Manuscrito sobre pergaminho. Fol. 12v – Jogos de inverno na neve (cercadura); fol. 13r – Quatro evangelistas (secção superior); sermão e martírio de São João Evangelista (secção inferior). Museu Calouste Gulbenkian](https://cdn.gulbenkian.pt/museu/wp-content/uploads/sites/5/2023/09/fig-3.jpg)
![Livro de Horas, impresso. Xilogravuras de Philippe Pigouchet para Simon Vostre, segundo ilustrações do Mestre de Ana da Bretanha (Jean d’Ypres?) e do chamado Mestre das Grandes Heures, publicadas por Antoine Vérard. França (Paris), século XV. Impressão sobre pergaminho. Fol. 10r - Martírio de São João Evangelista. Museu Calouste Gulbenkian](https://cdn.gulbenkian.pt/museu/wp-content/uploads/sites/5/2023/09/fig-4.jpg)
Os livros impressos a partir do século XVI, cada vez mais protegidos e enobrecidos por encadernações a marroquim e ouro (Fig. 5), vão refletindo, a pouco e pouco, uma sociedade humanista e renascentista, com a publicação de autores fora da esfera do Cristianismo e do latim, como alguns pensadores gregos da Antiguidade. Na Coleção Gulbenkian, encontram-se, a título de exemplo, primeiras edições da obra de Flavius Josephus (fig. 6) ou de Plutarco (fig. 7), em grego ou traduzidas em francês.
![Aristóteles, «Aristotelis Stagiritae Metaphysicorum, Libri quatuordecim cum scholiis ac varietatibus lectionum nuper additis». Lugduni [Lyon]: Apud Theobaldum Paganum, 1556. Impresso sobre papel; encadernação em vitela «fauve» decorada a ouro e pintada com ceras de diferentes cores. Museu Calouste Gulbenkian](https://cdn.gulbenkian.pt/museu/wp-content/uploads/sites/5/2023/09/fig-5.jpg)
![Flavius Josephus, «Flavii Josephi Opera». Basileae [Basileia]: Froben, 1544. Impresso sobre papel; exemplar da primeira edição da obra completa de Josephus, em grego. Museu Calouste Gulbenkian](https://cdn.gulbenkian.pt/museu/wp-content/uploads/sites/5/2023/09/fig-6.jpg)
![Plutarco, «Les Oeuvres Morales et Meslées de Plutarque, translatées du grec en français par Messire Jacques Amyot, à present evesque d'Auxerre, conseiller du Roy en son privé Conseil, & grand aumonier de France». À Paris: De l' Imprimerie de Michel de Vascosan, 1572. Impresso sobre papel; exemplar da primeira edição da obra de Plutarco, traduzida do grego para francês. Museu Calouste Gulbenkian](https://cdn.gulbenkian.pt/museu/wp-content/uploads/sites/5/2023/09/fig-7.jpg)
Além disso, ainda que mantendo reminiscências do manuscrito medieval, tal como as iniciais ornadas, figuradas ou historiadas – gravadas, contudo, com elementos renascentistas, como meninos, por vezes alados, ou enrolamentos vegetalistas –, estes livros (fig. 8) vão assumindo uma identidade gráfica própria, tanto no desenho da letra como na composição da página. Assim, ao longo do século, surgem elementos autónomos dos esquemas formais dos manuscritos medievais, como as conclusões de texto em forma de triângulo invertido (cul de lampe), as pequenas gravuras separando secções do texto (vinhetas), frequentemente no topo das páginas, ou ainda as gravuras de página inteira, sem moldura rigidamente definida (fig. 9).
![«Biblia Sacrosancta Testamenta Veteris et Novi». Tiguri [Zurique]: Execudebat C. Froschoverus, 1543. Impresso sobre papel. Museu Calouste Gulbenkian](https://cdn.gulbenkian.pt/museu/wp-content/uploads/sites/5/2023/09/fig-8b.jpg)
![«Anthologia Gnomica. Illustres veterum graecae comoediae scriptorum sententiae, priùs ab Henrico Stephano, qui & singulas latinè convertit, editae». Francofurti, ad Moenum [Frankfurt]: Apud Georgium Coryinum, impensis Sigismundi Feverabendii, 1579. Impresso sobre papel com ilustrações gravadas sobre madeira, duas das quais coloridas e realçadas a ouro e a prata. Museu Calouste Gulbenkian](https://cdn.gulbenkian.pt/museu/wp-content/uploads/sites/5/2023/09/fig-9-1.jpg)
Do pergaminho ao papel
Expostos por períodos mais curtos devido à fragilidade dos seus materiais, os livros e documentos gráficos europeus da coleção são menos conhecidos do público. Nesta série, a conservadora Ana Campino propõe novos olhares sobre estas obras que constituíam um dos conjuntos artísticos prediletos de Calouste Gulbenkian.