De malas feitas: as viagens de Calouste Gulbenkian
No mundo de Calouste Gulbenkian, o conceito de «férias» era notoriamente flexível e a palavra pouco frequente no seu léxico. Episódios como o que se segue eram, por isso, recorrentes. Sempre atento aos mercados do petróleo e da arte, em maio de 1932, o Colecionador aproveitou uma paragem do iate em que viajava, em Tunes, no norte de África, para pôr a correspondência em ordem. Entre as cartas enviadas, consta uma dirigida a Edward Fowles, confirmando o interesse em ver uma mesa-secretária proveniente do palácio de Oranienbaum, nacionalizado durante a Revolução Russa.
Este era o segundo de dois cruzeiros realizados no Mediterrâneo, cada um com uma duração superior a um mês, o que conferia a Gulbenkian alguma legitimidade como viajante experiente para desaconselhar a experiência a Fowles, representante da firma de negociantes de arte Duveen Brothers: «Todos estes cruzeiros e coisas do género são uma farsa, por isso posso dar-lhe um bom conselho: nem você nem a Sra. Edwards devem entregar-se a estes supostos luxos.» O seu desagrado poderia estar apenas relacionado com uma febre persistente durante toda a viagem, mas esta acabou por ser a última vez que Gulbenkian se aventurou numa experiência semelhante.
Na sua opinião, as condições e comodidades do iate Narcissus não eram comparáveis às de um hotel, destacando as reduzidas dimensões da cama e da banheira como dois dos principais fatores dissuasores. Na realidade, tanto em hotéis, como nas suas diferentes casas, Gulbenkian atribuiu sempre grande importância a estes elementos, refletindo uma constante valorização do conforto e da qualidade de vida. A banheira da sua casa de Paris foi, por exemplo, desenhada à semelhança da existente na suite que habitualmente ocupava no Hotel Ritz Paris.
Aquele cruzeiro integrou uma série de viagens realizadas entre 1928 e 1934, como parte do processo de educação histórico-artística do Colecionador. Estas viagens incluíram visitas ao Museo del Prado, em Madrid, e ao Real Alcázar de Sevilha, ao Museo Poldi-Pezzoli, em Milão, e à Galleria degli Uffizi, em Florença, a Pompeia e à Acrópole de Atenas, à Alte Pinakothek de Munique e ao Kunsthistorisches Museum de Viena, à Basílica de São Pedro, no Vaticano, a Assuão, a Jerusalém, a Baalbek, e ao Musée des Tissus de Lyon. Estas e outras visitas a museus, sítios e monumentos históricos permitiram-lhe desenvolver um olhar mais informado e crítico. Através de atentos exames, refletiu sobre a qualidade das obras de arte, comparando-as com a sua coleção, apurando o seu gosto e aperfeiçoando a fundamentação de futuras aquisições.
Entre as atividades privilegiadas durante as férias, destaca-se também a visita e contemplação de jardins e paisagens, confirmando um vincado interesse pela natureza, que, tal como a arte, era entendida como um refúgio, um fator de consolo. Assim o revelam as múltiplas impressões e apontamentos registados nos seus diários de viagem, juntamente com postais e algumas fotografias, para sua própria memória futura.
Férias de curta duração em locais próximos dos seus escritórios de Paris e Londres eram mais frequentes, embora não fossem necessariamente recorrentes. Além de estadias em Fontainebleau e Saint-Germain-en-Laye, Gulbenkian passava regularmente alguns dias em Deauville. Em 1927, adquiriu inclusivamente uma propriedade nas proximidades desta cidade na Normandia, com o objetivo de ali criar um jardim. No entanto, o projeto não incluía uma casa, uma vez que Gulbenkian preferia instalar-se no icónico Hotel Normandy.
Altamente criterioso nas suas escolhas, esta luxuosa estância balnear fazia parte do circuito de hotéis habitualmente frequentado pelo magnata do petróleo, que incluía os principais destinos turísticos e de lazer para as elites internacionais: Cannes, Aix-les-Bains e Biarritz. Aqui, embora nunca se desligasse completamente dos negócios, ocupava parte dos seus dias com longos passeios. Desses momentos de pura contemplação, o Colecionador guardou uma memória especial da forma como, em frente ao Hotel du Palais de Biarritz, o nevoeiro cobria o mar, fazendo com que as ondas parecessem emergir de um manto branco iluminado pelo farol. Um espetáculo tão arrebatador que, como o próprio reconheceu, nem uma pintura de William Turner poderia igualar.
Nestas viagens, além da escolha de bons hotéis, onde geralmente reservava os mesmos quartos de estadias anteriores, os restaurantes também eram cuidadosamente selecionados. Para um gourmet exigente como Gulbenkian, a qualidade dos alimentos, a técnica de confeção e a apresentação dos pratos eram fundamentais, motivo pelo qual classificou a comida servida no Hotel du Palais, em Biarritz, como «horrível». Pelo contrário, a seleção de queijos e a excelência da cozinha francesa do restaurante do Hotel Vier Jahreszeiten, em Munique, valeram-lhe efusivos elogios.
Como alternativa às estâncias balneares e termais, e aos cruzeiros, Gulbenkian chegou a considerar a aquisição de uma ilha para servir como local de veraneio, onde pudesse preservar a sua privacidade. Além da ilha de Sainte-Marguerite, ao largo de Cannes, mostrou interesse pela ilha Polvese, na região da Umbria, a propósito da qual confessou: «Estou bastante interessado em adquirir uma ilha muito bonita, desde que tenha ótimas comodidades, seja naturalmente muito pitoresca, com grandes árvores, belas paisagens e bosques, e que seja, de um modo geral, um lugar simpático.»
Adepto da sofisticação estética e da alta qualidade da técnica e dos materiais utilizados pelas marcas de luxo, Gulbenkian adquiriu uma série de malas de viagem Louis Vuitton. Fundada em 1854, a marca parisiense tornou-se célebre pela forma como, acompanhando a revolução dos transportes e das comunicações, criou soluções inovadoras que substituíram as obsoletas arcas de viagem com tampas abobadadas. Como alternativa, surgiram os baús de tampo plano, facilmente empilháveis, produzidos em madeira e revestidos com uma tela impermeável e resistente, tornando a estrutura consideravelmente mais leve.
Entre as malas adquiridas por Gulbenkian, encontra-se um baú guarda-fatos, modelo comercializado desde 1875. Encomendado em 1911 na loja da rue Scribe, em Paris, foi personalizado não só com o monograma «CSG», mas de acordo com as especificações do Colecionador, reservando espaço para uma mala-farmácia igualmente criada pela Louis Vuitton. Atestando a constante preocupação de Gulbenkian com a saúde, a encomenda incluiu referências muito específicas aos diferentes tipos de frascos para medicamentos que deveriam ser colocados na mala.
Os medicamentos constavam, também, de uma lista escrita por Gulbenkian relativa a tudo aquilo que era importante não esquecer antes de uma viagem, além de passaportes e vistos: papel de carta e envelopes, cartões de visita, papel mata-borrão, copiador de correspondência, livro de endereços, códigos de telegrafia, livro de cheques, lápis e uma caneta. Além dos materiais que permitiam manter a sua intensa atividade profissional, incluiu igualmente alimentos da sua dieta: frutas, vinhos e champanhes, cafés, pratos frios, gressinos e mel. Óculos de sol, binóculos e dois pequenos assentos dobráveis, provavelmente para observação de aves, completavam a lista de bens essenciais de viagem de Calouste Gulbenkian.
Imagem no topo: Baús guarda-fatos e mala para sapatos, Louis Vuitton, com o monograma de Calouste Sarkis Gulbenkian (CSG). Foto: © Catarina Gomes Ferreira