Caricatura e humor

Retratos da vida boémia em livros franceses do final do século XIX.

A «Belle Époque» foi uma época de liberdade, progresso e celebração. A imprensa usufruiu deste clima em pleno, criando revistas que ilustravam o dia-a-dia de forma humorística, crítica e ousada.
Ana Maria Campino 03 mar 2023 3 min
Do pergaminho ao papel

Instaurada em 1881, a lei francesa da liberdade de imprensa permitiu eliminar a censura prévia, criando condições para o surgimento de centenas de revistas ilustradas que beneficiaram igualmente do desenvolvimento da litografia, processo que acelerava a impressão de imagens gráficas.

Esses periódicos documentavam o quotidiano através de texto e ilustração, recorrendo frequentemente à caricatura, tanto na sua vertente política e social de denúncia como na sua dimensão puramente humorística. Esta última associava-se muitas vezes à representação da vida boémia, tão celebrada durante o período de paz e prosperidade da chamada Belle Époque, entre o fim da guerra franco-prussiana em 1871 e o início da Primeira Guerra Mundial em 1914.

O imaginário do espetáculo popular das casas de divertimento noturnas e dos cafés, expresso pelos ilustradores e artistas que colaboravam com essas revistas, passa para o mundo erudito das edições de luxo, produzidas em tiragens de poucos exemplares de modo a incluir desenhos, aguarelas ou gravuras originais. É o caso de Cours de danse fin-de-siècle, livro que nasceu do sucesso de uma série de artigos e de ilustrações sobre o can-can publicados em 1891, em suplementos da revista Gil Blas.

Já as aguarelas do escritor e caricaturista Henri Maigrot para a novela realista de Guy de Maupassant La Maison Tellier, publicada originalmente em 1881 e em revistas em 1889 e 1892, ilustram, com humor, ironia e numa relação extremamente livre entre texto e imagem, a história, escrita quase duas décadas antes, de um grupo de prostitutas que se desloca a uma primeira comunhão numa aldeia.

Finalmente, a encadernação de Paris dansant inclui, numa linguagem quase publicitária, imagens desta cidade tornadas icónicas, do moinho ao gato negro. Estas ilustrações foram criadas por Adolphe Willette, artista que trabalhou para revistas como Le Chat noir e que participou na decoração de cabarés como o Moulin Rouge ou na conceção de produtos claramente comerciais, como menus de restaurantes, cartazes ou leques.

Além da ousadia dos temas tratados pelas ilustrações, estas obras destacam-se pela inovação e experimentação assumidas por algumas das suas encadernações. Incluem-se, nalguns casos, aguarelas pintadas pelos ilustradores diretamente no velino, uma novidade face à tradição da encadernação decorada com gravações a ouro ou embutidos em pele. Existem também cartonagens à la Bradel, técnica criada no século XVIII para simplificar e economizar o processo de encadernação, mas desenvolvida entre 1890 e 1900 por Émile Carayon, que passou a aplicá-la em edições de luxo graças à utilização de materiais nobres como o marroquim, a vitela ou a pele de velino branca.

Série

Do pergaminho ao papel

Expostos por períodos mais curtos devido à fragilidade dos seus materiais, os livros e documentos gráficos europeus da coleção são menos conhecidos do público. Nesta série, a conservadora Ana Campino propõe novos olhares sobre estas obras que constituíam um dos conjuntos artísticos prediletos de Calouste Gulbenkian.

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