Calouste Gulbenkian colecionador de gemas

Os primeiros passos do colecionismo de Gulbenkian conduzem-nos às gemas, que sinalizam a marca do classicismo presente em muitos núcleos da sua coleção.
João Carvalho Dias 31 jul 2020 4 min

Tal como refere Jeffrey Spier no seu catálogo sobre a coleção de gemas de Calouste S. Gulbenkian, o colecionador beneficiou em grande parte da tradição britânica que, sobretudo a partir do século XVIII, orientou a constituição de importantes coleções de gemas pela aristocracia e por um grupo de eruditos.

Gravura de Bartolozzi (Coleção Marlborough 1791), pl. 46. Museu Calouste Gulbenkian
Busto de Safo, início do século XVIII. Coleção Duque de Marlborough; Coleção M. H. Nevil Story Maskelyne. Adquirida por intermédio de Gudenian na venda W. E. Arnold Forster. Sotheby’s, 5 de julho de 1921, lote 283. Museu Calouste Gulbenkian

 

À vontade de reconstituir os modelos da Antiguidade, não só através dos protótipos artísticos, em que a arquitetura é a sua expressão mais perene – vejam-se as villas, os edifícios públicos e os palácios ao gosto Neoclássico – que invadem a paisagem campestre inglesa e a malha urbana de cidades como Londres – juntou-se o gosto pelas artes e técnicas desse mundo, em que o heroico e o divino se entrecruzava.

Coleção W. Talbot Ready. Adquirida por intermédio de A. Feuardent, Hôtel Drouot, Paris, 26-27 de janeiro de 1920, lote 326. Museu Calouste Gulbenkian
Cavaleiro com elmo e escudo, século I d. C. Coleção W. Talbot Ready. adquirida por intermédio de A. Feuardent, Hôtel Drouot, Paris, 26-27 de janeiro de 1920, lote 323. Museu Calouste Gulbenkian

 

Os primeiros passos do colecionismo de Gulbenkian conduzem-nos às gemas, que a par das moedas gregas, sinalizam a marca do classicismo presente em muitos núcleos da sua coleção.

Ao estabelecer-se em Inglaterra em finais do século XIX, aí fixando residência, Gulbenkian irá ter acesso às vendas de importantes coleções, que o mercado londrino proporcionava. Assim, em 1898, dá entrada na sua coleção um conjunto de trinta gemas provenientes da coleção de Alfred Morrison, milionário dos têxteis, amante de tapetes persas, porcelana chinesa, iluminuras e, claro está, das preciosas gemas. Gulbenkian irá prosseguir as suas aquisições nos anos de 1909, 1920, 1921 e 1925, incorporando exemplares que haviam pertencido ao duque de Marlborough, Horace Walpole, Francis Cook entre outros, beneficiando da dispersão das coleções por morte dos seus proprietários.

Representação de guerreiro e figura feminina, Etrúria, c. 400 a. C. Coleção Alfred Morrison. Adquirida na Christie’s, Londres, 29-30 junho 1898. Museu Calouste Gulbenkian
A deusa Atena, século I d. C. Coleção Alfred Morrison. Adquirida na Christie’s, Londres, 29-30 junho 1898, lote 108. Museu Calouste Gulbenkian

 

Embora a correspondência sobre este sector da coleção seja escassa, é possível identificar o método de Gulbenkian através do contacto com mediadores de origem arménia, como Gudenian, que negociava preferencialmente tapetes; Feuardent, que intermediou a compra de gemas da Coleção Talbot Ready, ou Jacob Hirsch, responsável pela compra de peças da Coleção Cook e um dos principais fornecedores de moedas.

«Suite d’estampes gravées par Madame la Marquise de Pompadour, d’après les pierres gravées de Guay, graveur du Roy» (pormenor), 1751-1758. Museu Calouste Gulbenkian
«Choix de pierres antiques gravées du cabinet du Duc de Marlborough». Londres: [edição de 50 exemplares impressos para o Duque de Marlborough], 1786, 2 volumes. Museu Calouste Gulbenkian

 

É também possível encontrar importantes catálogos das coleções gravados com estampas que ampliam a narrativa iconográfica das minúsculas gemas (Catálogo da Coleção do Duque de Marlborough), o tratado das pedras gravadas de Mariette ou o precioso levantamento da coleção do rei de França, com ilustrações gravadas por Madame de Pompadour.

Gravura de Bartolozzi (Coleção Marlborough 1791), pl. 5. Museu Calouste Gulbenkian
gemas-103-B Ônfale, século I a. C. Coleção Duque de Marlborough; Coleção M. H. Nevil Story Maskelyne. Adquirida através de M. K. Gudenian, na venda W. E. Arnold Forster, Sotheby’s, 5 de julho de 1921, lote 111. Museu Calouste Gulbenkian

Os atributos de Heracles (Hércules), a pele do leão de Nemeia e a maça de tronco de oliveira são ostentados por Ônfale, rainha da Lídia na Ásia Menor. O facto deve-se a Héracles ter sido punido pela morte de Ífito, um dos Argonautas, e o Oráculo de Delfos ter determinado que ficaria escravo, pelo período de um ano, da bela Lídia. A humilhação do herói face à subjugação de uma mulher, acabará por ter um volte-face quando Lídia se apaixona pelo seu escravo, que acabará por libertar e tomar como marido.

 

Ao mesmo tempo que adquiria gemas gregas e romanas antigas, também adquiria exemplares neoclássicos, joias de René Lalique e luxuosas caixas de ouro e esmalte do século XVIII. Interessavam-lhe os materiais, como o jaspe negro, as ametistas, cornalinas, citrinos e cristal rocha esculpidos em miniatura, na sua maioria com montagens que tornavam as gemas joias e podiam, na sua requintada simplicidade, ombrear ora com as criações do seu contemporâneo René Lalique, ora com os preciosos objetos de Setecentos, todos unidos afinal pelo lema que o colecionador prosseguia – a beleza.

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