A viagem de Calouste Gulbenkian a Jerusalém

Neste texto da investigadora Vera Mariz, acompanhe a viagem realizada por Calouste Gulbenkian a Jerusalém em 1934.
Vera Mariz 23 jan 2024 5 min
Calouste Gulbenkian e Jerusalém

Apesar da sua incansável dedicação ao mundo dos negócios, Calouste Gulbenkian compreendia e reconhecia o interesse das viagens de lazer, optando frequentemente por itinerários marcados por uma forte componente artística e cultural.

Com este espírito, entre 3 de janeiro e 21 de fevereiro de 1934, o magnata arménio embarcaria numa das mais memoráveis viagens da sua vida. Passando por Roma e Nápoles, de onde partiria a bordo do iate Ausonia, Gulbenkian visita diferentes pontos do Egito antes de prosseguir para as cidades de Jerusalém, Damasco, Baalbek e Beirute. É acompanhado neste périplo por Marcelle Chanet, conservadora da coleção de arte, Mehmed Ousta, cozinheiro particular, Pierre, valet de chambre, e pelo médico Dr. Mélik.

A cidade de Jerusalém, à data administrada pelo Mandato Britânico da Palestina, é local de paragem obrigatória. Viajando do Cairo rumo a El Kantara e atravessando o Canal do Suez, Gulbenkian chega de comboio a Jerusalém a 9 de fevereiro. Como era habitual, pretende manter-se discreto, declinando qualquer tipo de receção oficial. Será, porém, surpreendido, ainda antes de chegar à cidade, por um enviado do Patriarca Arménio de Jerusalém, Torkom Koushagian, que aguardava com expectativa o principal benfeitor do patriarcado.

Em Jerusalém, Gulbenkian instala-se no luxuoso King David Hotel, inaugurado poucos anos antes. Habituado aos melhores hotéis do mundo, não fica inteiramente convencido com os níveis de conforto e com a qualidade das refeições. Pelo contrário, a beleza e poesia da vista do seu quarto para o jardim de Getsémani e Monte das Oliveiras, arrebatam-no. O efeito provocado pela paisagem bíblica repete-se ao longo dos dias, registando no seu diário de viagem sucessivos encontros com «páginas da História Sagrada».

O primeiro dia é muitíssimo preenchido, iniciando-se na Basílica do Santo Sepulcro. Ali, Gulbenkian admirará uma pintura colocada sob a porta de entrada da Edícula, local de sepultamento de Cristo, invocando a memória dos seus antepassados. A obra, representando a Ressurreição, exibe uma inscrição em arménio que recorda a oferta: «Lembrança da dinastia dos Gulbenkian de Talas, 1877». Data deste ano, afinal, a primeira peregrinação de Calouste Gulbenkian, então com 8 anos, a Jerusalém, na companhia da sua família.

Neste regresso, quase 60 anos depois, Gulbenkian, cristão arménio por tradição e devoção pessoal, ficará rendido à importância religiosa da basílica. Não obstante, a sua educação em matéria de História e História da Arte leva-o a considerar o edifício artisticamente desinteressante, em grande parte devido aos sucessivos restauros e reconstruções que, ao longo dos séculos, teriam sacrificado o seu interesse original.

Após a visita à Basílica do Santo Sepulcro, Gulbenkian percorre a Via Dolorosa, visitando o pretório de Pilatos, a casa de Santa Verónica e a capela de Simão de Cirene. Mais tarde, a pequena comitiva vai explorar o Mar Morto, o rio Jordão e Jericó, atravessando paisagens que cativam Gulbenkian pela sua beleza e aura de santidade.

Segue-se às 22 horas uma inesquecível visita noturna ao Mosteiro de São Tiago, sede do Patriarcado Arménio de Jerusalém, e à respetiva Biblioteca Gulbenkian. Pensada no âmbito das comemorações do 50º aniversário da ordenação sacerdotal do Patriarca Yeghishe I Tourian, a construção houvera sido financiada por Calouste Gulbenkian em memória do seu pai.

No segundo dia, além de um encontro com o Alto-Comissário Britânico para a Palestina, Gulbenkian visita a Mesquita de Omar, conhecida como Cúpula do Rochedo. Enaltecendo o equilíbrio das formas e proporções do edifício, a sumptuosidade, a variedade e a qualidade de execução da decoração, o Colecionador assinala semelhanças com Hagia Sophia e eventuais influências bizantinas.

Neste dia, regressa, ainda, ao Mosteiro de São Tiago e visita o Tesouro da catedral. Embora fique desapontado com a qualidade artística da maioria das obras, encanta-se com os manuscritos arménios da Biblioteca de Manuscritos de São Teodoro, destacando o seu extraordinário estado de conservação. Após esta visita, Gulbenkian receberia a bênção do patriarca Torkom Koushagian no altar da catedral arménia.

A estadia em Jerusalém duraria apenas dois dias, já que na manhã de 11 de fevereiro a viagem continuaria, agora de automóvel, rumo a Damasco. O impacto causado pela riqueza espiritual, histórica, cultural e artística de Jerusalém em Calouste Gulbenkian seria, contudo, significativo e duradouro: «Se eu pudesse fazer a viagem à Palestina novamente, faria um grande esforço para rever Jerusalém e Baalbek», revelaria no seu diário de viagem.

Série

Calouste Gulbenkian e Jerusalém

Do itinerário e impressões pessoais de Calouste Gulbenkian sobre uma viagem realizada em 1934, à aquisição e oferta de um manuscrito arménio, esta série dá a conhecer os laços que unem Calouste Gulbenkian a Jerusalém.

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