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Sem Título
Esta obra de Escada, a de maior dimensão na série de relevos cortados que produziu, pode funcionar como um ponto de chegada do trabalho desenvolvido pelo pintor desde os anos de 1950 e que se aprofunda na pesquisa pictórica prosseguida ao longo da década seguinte. Estabelecendo um paralelo entre este trabalho e Pintura, tela concretizada nove anos antes, podemos encontrar pontos em comum, tais como uma composição modelada a partir dos jogos de luz entre formas simétricas e a relação entre os diferentes espaços que a estruturam, replicando através das suas dimensões, tendencialmente mais pequenas do centro para o exterior, o claro-escuro que animava o trabalho de 1965. Nesta obra, continua a investigação do artista em torno das possibilidades formais da linha e da luz, que ganham uma nova perspetiva quando Escada assiste a uma exposição de Matisse, em 1966, onde foram apresentados recortes em papel.
O jogo positivo/negativo e forma/fundo da sua pintura anterior é aqui continuado pelo aproveitamento do caráter reflexivo do material, que contrasta fortemente com as sombras provocadas pelos côncavos e convexos resultantes das dobragens dos recortes em metal, resultando em algo entre a forma e a figura. Esta ambiguidade é expressa pelo próprio artista em 1968, ao afirmar que «uma obra de arte é uma construção que balança entre a abstracção e o concreto, entre a composição geral e o detalhe, entre a não figuração e o naturalismo, entre o ser e o nada», oferecendo, deste modo, espaço à intuição tanto no ato de pintar como no momento da receção, respeitando a expressão da «mística interior» kandinskiana: «Temos sempre que reconquistar o sentido da visão, pois os nossos olhos transformam-se facilmente em focos distraídos. Olhemos, por isso, gratuitamente. Abandonemos por um instante a preocupação de identificar, de reconhecer – para que a forma que está também em nós se descubra.»
André da Silveira Rodrigues