Sem Título
Aguada vaporosa em tons terrosos e oxidados, a presente obra inscreve-se numa série de trabalhos ao mais puro estilo informalista, não figurativo, que José Escada executou entre finais dos anos de 1950 e o princípio dos anos de 1960, tendo-os apresentado à exposição que o grupo KWY – a que o artista aderira em Paris já na qualidade de bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian –, realizou na Sociedade Nacional de Belas-Artes, em dezembro de 1960.
Nesta época, a investigação plástica e visual de José Escada orientou-se para a expressão de valores atmosféricos, privilegiando a cor e a linha, formando nódulos ou entrelaçados em breve transformados em manchas de pigmento. O artista realizou então diversos desenhos com outras tantas variações de cor, de saturação ou de contraste. No presente trabalho, sobressaem os cinzas, as sépias e os negros, tons de terra esverdeada e húmida dissolvendo-se no ar como uma tempestade.
Meio aquoso de pigmentação leve, a aguada proporciona a recriação de um ambiente nebuloso, diáfano, sem fronteiras precisas, apenas agitado por uma ondulação delicada e circular, ambiente de onde os objetos e as figuras foram como que diluídos. A conceção poética de um espaço ilimitado (ou somente limitado pela folha de papel), assimétrico, espaço sem princípio nem fim, animado apenas pelos movimentos da matéria colorida em expansão, é bem patente na concentração da cor na orla esquerda da imagem, em conglomerados de linhas de tons escuros de onde sobressaem breves luzes azuis turquesas, sanguíneas e ocres, logo se extinguindo e fundindo na humidade sépia e cinza que se derrama pela superfície do papel, em todos os sentidos.
Ana Filipa Candeias
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