José Escada (1934-1980) - Sem título, 1965 Guache e tinta da China sobre papel, 19,2 x 28 cm - MCG-CM, inv. DP1066

Sem título

1965

Por meados dos anos de 1960, José Escada aprofundara a sua investigação visual numa nova série de trabalhos nos quais procurou retomar a linguagem do desenho, voltando a considerar a linha e o contorno de figuras ou objetos como elementos fundamentais da imagem, conjugando-os com o seu interesse genuíno pela cor e pelos efeitos de contraste luminoso que através dela se podem obter. No presente desenho, torna-se bem manifesta a perícia do artista para recriar no espaço limitado do papel uma imagem graciosa de requintada vibração e transparência, elaborada a partir de um desenho de signos de base orgânica conjugados em arranjos rítmicos e flexíveis: órgãos, tecidos, membranas, linhas e dobras, refegos e curvas isolando planos de cor, formando um cortejo de sinais longos e pequenos, largos e estreitos, côncavos, convexos, contíguos.

O conceito rítmico é secundado no próprio tratamento da cor, bem como da luz, como se nos fosse dado presenciar a existência de um foco além-quadro que aclarasse os signos aglomerados ao centro do papel e lhes desse vida. O elevado valor espiritual que José Escada por vezes atribuía à matéria luminosa aparece aqui excelentemente imaginado, revelando um saber fazer aparentado ao dos criadores de vitrais. Pela engenhosa disposição dos signos coloridos no plano, Escada declarou a sua sensibilidade à ideia da obra como revelação e enigma, pela sugestão de luz exterior, vinda de um lugar virtual além do plano da imagem, atravessando-a pelo centro e a partir deste irradiando numa aura. Eis que por ação da luz, a criação, a matéria orgânica já se constitui num biomorfismo primário, mundo ainda primitivo de quase indiferenciação ou de agregação molecular, de tecidos e de órgãos em formação, braços e hastes, caules e pedúnculos, filamentos, excrescências e pregas, o mistério da vida plasmado e reiterado pelo brilho transparente dos brancos, amarelos e ocres em contraste com os azuis e violetas, num fundo cor de rubi. Para além do pulsar da vida, nestas cores também podemos acompanhar o linguajar de um misticismo cristão laicizado: em fundo de sangue por sofrimento, o rendilhado da luz branca e dourada da revelação e o violeta da paixão.

Ana Filipa Candeias

Atualização em 31 julho 2016

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