Sem título
De simbolismo complexo, apresentando-se como variação sobre o tema dos «nós», dos novelos ou entrelaçados que José Escada realizou no início dos anos de 1970, a presente obra aparenta-se ainda formalmente ao quadro do monograma «S», igualmente conservado na Coleção Moderna, pela conceção de um vocabulário ornamental aplicado a um módulo de padrão singular. Misterioso, este módulo aparece como conglomerado de significados intrincados, alfabeto secreto emergindo de um caos informe e primordial: «8» simétrico e estilizado, com alças ou orelhas, concebido como fechadura, cabaça ou florão, apresenta um único ponto luminoso inscrito numa oval, na base do quadro. As duas cores – preto e verde-escuro – reforçam ainda mais a visão enigmática de ornamento solitário oxidado e obscurecido pela passagem do tempo.
O quadro parece pois figurar um elemento de uma escrita arcaica. O interior da oval com seu contraste de preto e amarelo pálido forma uma concha de flâmulas ou canelados. Esta concha é a matriz geradora de calor e luz, recipiente ou forno que se pode ter transfigurado nos dedos de uma mão aberta, membro solitário e vigilante que José Escada representou em diversas ocasiões. Dedos afilados em hastes ou línguas de fogo, portanto, de cuja combustão (ou exercício, no caso da mão) nasceu um emblema imaginário. O atributo é completado na divisão superior da imagem com uma suástica de braços recurvados, em rotação sobre um eixo. Fundindo-se ela própria num semicírculo e num losango, essa suástica evoca uma velha simbologia solar que presta tributo à renovação cíclica da vida das formas.
Ana Filipa Candeias
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