Sem título
Obra do ciclo das cordas ou das correntes, pode aproximar-se do ponto de vista formal e temático a outras três pinturas sobre fundo negro que José Escada criou pela mesma época, igualmente conservadas na Coleção Moderna: figuras serpentiformes e tubulares tratadas num verde olivina, a luz concentrada num amarelo pálido incidindo na forma de uma mão aberta, no plano superior da imagem, claridade parecendo irradiar de um além-quadro. Mão, cordas e fechadura foram mais uma vez os vocábulos de uma imagética pessoal, misteriosa e ao mesmo tempo cristalina. O motivo principal, tratado de uma maneira quase ingénua, é a ferradura, marca ou glifo de contornos unidos em fechadura. Assemelhando-se a um «8» ou um «Ω», ocupa quase toda a superfície disponível, formando um módulo singular e fechado sobre si próprio. A fechadura de desenho sinuoso evoca de maneira direta uma poética do mistério e da transcendência da vida (da própria vida do artista), entendida como trânsito ou passagem entre um exterior de aparência simples e estável (veja-se a linha horizontal da base que alicerça a composição) e um interior intrincado, assimétrico e ascendente, como engrenagem complexa de um órgão de tubos, figurando uma pneumática vital, elementos que José Escada repetidamente experimentou nas suas criações com cordas e entrelaçados. Mais além, a mão iluminada. Esta mão é o membro solitário que José Escada representou mais do que uma vez, metáfora perfeita do trabalho demiúrgico do artista: transformador da matéria, criador de imagens e sentidos, inventor de símbolos.
A presente obra esteve em exposição no Centre Culturel Portugais da Fundação Calouste Gulbenkian, em Paris, em 1991.
Ana Filipa Candeias
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