«Os meus olhos não são meus, são os olhos do nosso século!»
Almada explorou continuamente o autorretrato, pondo especial ênfase na representação dos seus olhos, que foram também referência central na sua escrita. Em K4 O Quadrado Azul (1917) anuncia «os meus olhos são holofotes a policiar o infinito», no poema «O Menino d’Olhos de Gigante» (1921) o título refere-se de novo aos olhos enormes, e em A Invenção do Dia Claro (1921) escreve: «Reparem bem nos meus olhos, não são meus, são os olhos do nosso século! Os olhos que furam para detrás de tudo».
Essa característica física tornou-se metáfora maior do que a mera identidade: os olhos servem para devorar conhecimento, são uma interface para a apreensão do mundo, para a sua apropriação e transformação em arte. Os olhos desmesurados significavam a capacidade de admiração, de maravilhamento. Essa ingenuidade voluntária, como lhe chamou Almada, enquadra-se na grande demanda pelo novo, comum às vanguardas do início do século XX e aos modernismos. Mas fazer tábua rasa do passado, como muitos proclamaram, não significou, em muitos casos, a sua rejeição. Ser moderno era antes ter a capacidade de olhar para o antigo com um olhar liberto de preconceitos acumulados por séculos de história. A representação destes olhos expressa assim a atitude moderna: a afirmação da liberdade do artista, sem espartilhos da história ou de qualquer tipo de convenções.