Cinema, humor e narrativa gráfica
A relação de Almada Negreiros com o cinema atravessa a sua vida, enquanto espectador e artista. Em 1921, escreveu um artigo expressando a sua admiração por Charlot, personagem associável à figura do saltimbanco, tão cara a Almada. No mesmo ano foi ator no filme O Condenado de Mário Huguin, e mais tarde contará: «Em 1913 já tentei fazer um filme de cartões animados, parte do qual conservei durante algum tempo, mas depois perdeu-se. Mais tarde, durante o período da vanguarda, projectei, com o pintor Francisco de Cossio, vários filmes experimentais de amador, que não chegámos a realizar.» (1959).
Trabalhou para o departamento de publicidade da Paramount Pictures, fazendo plaquetes e cartazes, e em Madrid fez gessos em baixo-relevo para a remodelação do Cine San Carlos, com cenas de vários géneros de filmes, construídas de forma a replicar planos e enquadramentos tipicamente cinematográficos. Na conferência da estreia de Branca de Neve e os Sete Anões em Lisboa (1938), exaltou os desenhos animados tomando-os como o momento da verdadeira autonomia do cinema, assim desligado da reprodução do real. As lanternas mágicas que desenhou em 1929 e 1934, bem como várias séries de desenhos, são próximas do cinema de animação, no qual via a possibilidade de o desenho cumprir a sua vocação ao ganhar movimento.
Em 1969, na entrevista ao popular programa de televisão «Zip-Zip», Almada afirma que o humor foi o que permitiu passar do século XIX para o século XX, referindo-se ao desenho humorístico e vendo-o assim como condição do moderno. O desenho humorístico, a narrativa gráfica, o grafismo e a ilustração foram constituintes da modernidade, sendo a página impressa, simultaneamente imagem e texto, uma das mais importantes ferramentas de ação artística sobre o presente. Ao contrário de outros meios, a sua capacidade de divulgação e imediatismo sintético eram de eficácia inexcedível. De resto, num texto fundador da modernidade, Baudelaire elegeu um ilustrador como «pintor da vida moderna».
É possível encontrar antecedentes da narrativa gráfica e do humorismo na pintura a fresco, em frisos e vitrais, ou nas histórias que saltimbancos contavam com imagens desenhadas, andando de terra em terra. Estes dispositivos persistiram ao longo da carreira artística de Almada, enquanto meios para o que entendeu ser a função última da sua arte: a comunicação com o público.