As Flores do Imperador. Do Bolbo ao Tapete

Ao longo do século XVI, as novas relações que os europeus estabeleceram com o mundo redimensionaram o conhecimento acerca da natureza. Das Índias Orientais e Ocidentais chegaram novos produtos e espécies de plantas e de animais nunca vistas. Do Levante, viajaram até à Europa, sementes e bolbos de flores exóticas. Alvo de profunda admiração, a beleza destas flores mereceu a crescente atenção dos académicos. Muito requeridas e apreciadas por curiosos, eruditos e aristocratas, as flores passaram a ter lugar privilegiado nos jardins botânicos que então foram criados. Pela sua raridade, apenas os jardins dos mais afortunados exibiam exemplares das tão requeridas plantas exóticas. Plantadas por jardineiros e descritas por botânicos, as flores foram pintadas e representadas em álbuns profusamente ilustrados. Estes livros tiveram ampla circulação na Europa e nos vastos espaços imperiais que os europeus então percorreram. Levados por viajantes e emissários nas suas missões diplomáticas, religiosas e comerciais, chegaram, desde finais do século XVI à corte mogol. Sob o patrocínio imperial, os artistas locais ensaiaram as técnicas de desenho e os modelos de representação patentes nos compêndios europeus criando assim, no Oriente, elementos de uma nova gramática decorativa.

Esta exposição propõe a análise dos motivos decorativos de dois tapetes da coleção de Arte Islâmica do Museu Calouste Gulbenkian – Coleção do Fundador produzidos na Índia Mogol durante o reinado de Xá Jahan (r. 1627-1658). A tipologia e o cariz naturalista dos desenhos florais patentes nestes exemplares sugerem os diálogos estabelecidos entre Oriente e Ocidente ao longo do século XVII e a circulação, à escala global, de pessoas, livros, imagens e espécimes botânicos.

 

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Flores das Índias, da Europa e do Levante

O encontro dos europeus com a diversidade e exuberância da natureza das novas terras visitadas causou surpresa e assombro. Da América e da Ásia vieram exemplares de fauna e flora nunca antes descritos. Do Levante chegaram testemunhos sobre o esplendor dos seus jardins. Mercadores, viajantes e diplomatas que percorreram esta região aludiram à beleza e diversidade das suas flores. Propagadas por bolbos, túlipas, jacintos, íris, narcisos, crocus e fritilárias chegaram aos jardins de Viena na bagagem de Ogier de Busbecq, o embaixador do Imperador Maximiliano II (r. 1564- 1576) junto da Império Otomano. Clusius, o então responsável pela instalação do jardim imperial de Viena, dedicou-se ao estudo e descrição destas flores exóticas. Personagem central de uma extensa rede de circulação de informações e material vegetal que unia eruditos, curiosos, aristocratas e governantes, o botânico descreveu e difundiu estas flores raras pelos jardins de toda a Europa.

Carolus Clusius (1526-1609). «Caroli Clusii Atrebat. Rariorum aliquot stirpium per Hispanias obseruatarum historia, libris duobus expressa Antuerpiae: ex officina Christophori Plantini, architypographi Regij», 1576 . Papel, 18 x 10,7 cm. Lisboa, Biblioteca Nacional de Portugal, RES 4701 P
Caneca. Turquia, c. 1575. Cerâmica siliciosa pintada sob vidrado transparente. A. 22,5 cm; Ø 11,3 cm Lisboa, Museu Calouste Gulbenkian – Coleção do Fundador Inv. 777 . Foto: Catarina Gomes Ferreira
Autor desconhecido. «A Virgem e o Menino». Flandres, c. 1485-1490. Têmpera e óleo sobre madeira, 26,70 x 19,10 cm. Lisboa, Museu Calouste Gulbenkian – Coleção do Fundador Inv. 76. Foto: Catarina Gomes Ferreira

 

Flores para Descrever e Admirar

No início do século XVII, verificou-se um crescente fascínio pela constituição de jardins e pela coleção de raridades. Este justificou a intensa procura de informações sobre espécimes raros e a troca de propágulos vegetativos entre botânicos, académicos e curiosos. O denso movimento de material vegetal permitiu a difusão das flores locais e exóticas por toda a Europa. Tirando partido da frequente passagem pelos portos europeus de viajantes e de missionários que eram portadores de exemplares provenientes das Américas e da Ásia, constituíram-se importantes coleções de plantas exóticas. Aos jardins dos mais abastados acorriam visitantes para admirarem as flores peregrinas. Acompanhando este encanto pelo estudo e cultivo das flores verificou-se uma intensa produção de compêndios botânicos, florilégios, catálogos, estampas e álbuns com representações de flores que tiveram ampla difusão.

Crispijn van de Passe (1594 – 1670). «Hortus floridus in quo rariorum et minus vulgarium florum icones ad vivam veramq[ue]… Amhemy: apud Iohannem Ianssonium», 1614-1616. Papel, 17,5 x 27,6 cm. Lisboa, Biblioteca Nacional de Portugal, RES. 214 V
Girolamo Pini (século XVII) «Étude de Botanique», 1614. Óleo sobre tela, 92 x 120 cm. Paris, musée des Arts décoratifs, A 124. © Paris, Les Arts Décoratifs / Jean Tholance

 

Circulação de Imagens entre a Europa e o Império Mogol

Ao longo dos séculos XVI e XVII, diversas missões diplomáticas, religiosas e comerciais europeias procuraram estreitar relações com o Império Mogol. Para além dos missionários da Companhia de Jesus que, desde 1580, foram acolhidos por Akbar (r.1556-1605), outros viajantes e diplomatas europeus alcançaram o Império Mogol. Todos testemunharam o encontro com uma corte sofisticada e aberta ao diálogo com outras culturas. Reconhecendo a relevância da iconografia cristã enquanto instrumento de missionação, os Jesuítas levaram para esta missão telas, estampas e livros ilustrados. Pela prolongada permanência na corte imperial, pelo avultado volume de obras ilustradas que trouxeram e pelo persistente apoio que deram aos artistas locais na produção das suas obras, os missionários tiveram larga influência nas peças de arte ali produzidas. Impressionados pela representação naturalista de flores e animais exibida em muitos álbuns europeus, os artistas da corte propuseram novas tipologias de representação da natureza.

Manohar (ativo c. 1582 – 1624. «Jahangir e o seu Vizir I’timad al-Daula». Índia, c. 161. Guache e ouro sobre papel, 48,9 x 36,2 cm. Nova Iorque, The Metropolitan Museum of Art: Purchase, Rogers Fund and The Kevorkian Foundation Gift, 1955 MMA 55.121.10.23
Muhammad Khan. «Estudos de flores», 1630 – 1633. Guache e ouro sobre papel. Londres, The British Library. Add. or. 3129, f. 67v. © The British Library Board
«Fritillaria imperialis». Guache sobre papel. Índia, c. 1635. Londres, The British Library. Add. or. 3129, f. 62ª. © The British Library Board

 

As Flores para o Imperador

O Império Mogol foi fundado em 1526 por Babur, príncipe turco-mongol de um pequeno reino da Ásia Central. Esta dinastia governou a Índia cerca três séculos, ao longo dos quais se destacaram três imperadores, Akbar, Jahangir e Jahan, que ficaram conhecidos pelo refinamento da sua cultura e do seu gosto e pelo importante patrocínio das artes. Foi um período de abertura ao exterior refletindo-se na produção artística que alcançou uma sofisticação sem precedentes. Pensa-se que foi no tempo de Akbar que se estabeleceram as primeiras oficinas imperiais de produção de tapetes. Nesta época foram chamados tapeceiros persas para ensinar os artistas locais. Não é, por isso, de estranhar que os primeiros tapetes mogois tenham uma marcada influência persa, que se irá manter durante algum tempo. No entanto, no reinado de Jahan os motivos decorativos vão adquirir características próprias desenvolvendo-se um tipo de decoração floral muito característico, dito «indiano», provavelmente inspirado pelas ilustrações veiculadas pelas estampas e álbuns botânicos europeus, que chegaram à corte mogol desde o século XVI.

Miniatura. Índia, século XVII, período mogol. Guache sobre papel, 22,40 x 15,40 cm. Lisboa, Museu Calouste Gulbenkian – Coleção do Fundador. Inv. M52. Foto: Catarina Gomes Ferreira
Panejamento de veludo. Índia, século XVII, período mogol (?). Seda, 127 x 161 cm. Lisboa, Museu Calouste Gulbenkian – Coleção do Fundador. Inv. 1422. Foto: Catarina Gomes Ferreira
Escritório (Ventó). Índia, século XVII, período mogol Madeira de teca lacada e polícroma e cobre 36,5 x 33 x 46 cm. Coleção particular. Foto: Pedro Lobo
Atualização em 20 março 2018

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