Calouste Gulbenkian colecionador de gemas
Tal como refere Jeffrey Spier no seu catálogo sobre a coleção de gemas de Calouste S. Gulbenkian, o colecionador beneficiou em grande parte da tradição britânica que, sobretudo a partir do século XVIII, orientou a constituição de importantes coleções de gemas pela aristocracia e por um grupo de eruditos.
À vontade de reconstituir os modelos da Antiguidade, não só através dos protótipos artísticos, em que a arquitetura é a sua expressão mais perene – vejam-se as villas, os edifícios públicos e os palácios ao gosto Neoclássico – que invadem a paisagem campestre inglesa e a malha urbana de cidades como Londres – juntou-se o gosto pelas artes e técnicas desse mundo, em que o heroico e o divino se entrecruzava.
Os primeiros passos do colecionismo de Gulbenkian conduzem-nos às gemas, que a par das moedas gregas, sinalizam a marca do classicismo presente em muitos núcleos da sua coleção.
Ao estabelecer-se em Inglaterra em finais do século XIX, aí fixando residência, Gulbenkian irá ter acesso às vendas de importantes coleções, que o mercado londrino proporcionava. Assim, em 1898, dá entrada na sua coleção um conjunto de trinta gemas provenientes da coleção de Alfred Morrison, milionário dos têxteis, amante de tapetes persas, porcelana chinesa, iluminuras e, claro está, das preciosas gemas. Gulbenkian irá prosseguir as suas aquisições nos anos de 1909, 1920, 1921 e 1925, incorporando exemplares que haviam pertencido ao duque de Marlborough, Horace Walpole, Francis Cook entre outros, beneficiando da dispersão das coleções por morte dos seus proprietários.
Embora a correspondência sobre este sector da coleção seja escassa, é possível identificar o método de Gulbenkian através do contacto com mediadores de origem arménia, como Gudenian, que negociava preferencialmente tapetes; Feuardent, que intermediou a compra de gemas da Coleção Talbot Ready, ou Jacob Hirsch, responsável pela compra de peças da Coleção Cook e um dos principais fornecedores de moedas.
É também possível encontrar importantes catálogos das coleções gravados com estampas que ampliam a narrativa iconográfica das minúsculas gemas (Catálogo da Coleção do Duque de Marlborough), o tratado das pedras gravadas de Mariette ou o precioso levantamento da coleção do rei de França, com ilustrações gravadas por Madame de Pompadour.
Os atributos de Heracles (Hércules), a pele do leão de Nemeia e a maça de tronco de oliveira são ostentados por Ônfale, rainha da Lídia na Ásia Menor. O facto deve-se a Héracles ter sido punido pela morte de Ífito, um dos Argonautas, e o Oráculo de Delfos ter determinado que ficaria escravo, pelo período de um ano, da bela Lídia. A humilhação do herói face à subjugação de uma mulher, acabará por ter um volte-face quando Lídia se apaixona pelo seu escravo, que acabará por libertar e tomar como marido.
Ao mesmo tempo que adquiria gemas gregas e romanas antigas, também adquiria exemplares neoclássicos, joias de René Lalique e luxuosas caixas de ouro e esmalte do século XVIII. Interessavam-lhe os materiais, como o jaspe negro, as ametistas, cornalinas, citrinos e cristal rocha esculpidos em miniatura, na sua maioria com montagens que tornavam as gemas joias e podiam, na sua requintada simplicidade, ombrear ora com as criações do seu contemporâneo René Lalique, ora com os preciosos objetos de Setecentos, todos unidos afinal pelo lema que o colecionador prosseguia – a beleza.
João Carvalho Dias
Curador do Museu