A Mesa Global no Século XVIII

Da Prata e do Vidro à Laca e Porcelana

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A Conferência Gulbenkian em História da Arte é uma nova iniciativa bianual do Museu Calouste Gulbenkian, que surge com o objetivo de reunir temas e metodologias inovadores  relacionados com o estudo da sua coleção.

A primeira edição, intitulada A Mesa Global no Século XVIII, da Prata e do Vidro à Laca e Porcelana, pretende realçar intercâmbios e compreender a teia de relações, atualmente denominadas foodways, em torno da produção, da preparação e da apresentação da alimentação no mundo Moderno.

Recorrendo a uma abordagem transcultural, a conferência parte do recém-lançado catálogo da coleção de Ourivesaria do Museu e percorre o amplo espaço geográfico da coleção de Calouste Sarkis Gulbenkian, que se estende da Europa ao Japão, passando por África e pelas Américas.

O painel é composto por dez especialistas de diversas disciplinas, como a História da Arte, os Estudos Sociais e Económicos e a Antropologia aplicados ao estudo da alimentação no passado. Estes peritos examinam como a circulação global de alimentos, objetos, materiais, técnicas e pessoas no século XVIII afetou os costumes e as práticas em torno da mesa e das refeições.


Oradores


Programa

09:30 / Registo e boas-vindas

10:00 / Abertura

Guilherme d’Oliveira Martins – Fundação Calouste Gulbenkian, LisboaAntónio Filipe Pimentel – Museu Calouste Gulbenkian, Lisboa

Parte I. A Mesa Local no Mundo Global

Moderação:
Rui Xavier – Museu Calouste Gulbenkian, Lisboa
10:20 / Ourivesaria Francesa do Século XVIII na Coleção de Calouste Gulbenkian: dos Serviços de Mesa aos Troféus do Colecionador
A investigação necessária à elaboração do catálogo de ourivesaria francesa da coleção de Calouste Gulbenkian produziu um manancial de informações sobre as obras, os ourives que as criaram, os seus encomendadores, usos, proveniências, bem como os interesses do colecionador. Por muito prestigiadas que fossem as magníficas encomendas de serviços de mesa por príncipes, reis ou imperadores, o seu desmantelamento conhece uma longa história que frequentemente começava com a morte do encomendador. Por vezes, uma sequência de sucessões atrasou a entrada no mercado destas importantes peças de prata. Por exemplo, a decisão do governo soviético de vender peças históricas da sua coleção revelou-se uma oportunidade única para Gulbenkian adquirir muitos objetos de ourivesaria, verdadeiros troféus de colecionador. A presença deste importante grupo de obras alterou profundamente o caráter da sua coleção, cuidadosamente exposta na sua residência de Paris, fechando as portas a todos os outros colecionadores interessados. O estatuto glorificado da ourivesaria, prolongado quase que por definição pela sua exposição em museus, tem contribuído para a falta de interesse nos seus criadores e nas suas realizações artísticas, assim como pelo papel que os objetos de ourivesaria desempenhavam nas refeições da alta sociedade europeia no século XVIII.Peter Fuhring – Paris
10:45 / À Volta da Mesa, à Volta do Mundo: o Espetáculo em Torno da Refeição no Século XVIII na Europa
No primeiro capítulo da sua obra «Tableau de Paris» (1783), Louis Sébastien Mercier convida os leitores a realizarem um viagem transcontinental sem saírem da mesa: «da China e do Japão provêm as porcelanas nas quais fumegam os chás perfumados da Ásia; servimo-nos de açúcar, cultivado nas Américas por infelizes escravos que para lá foram transplantados de África, com uma colher cujo metal provém de minas no Peru». A presente comunicação examina fontes escritas do século XVIII, como livros de receitas, cartas e relatos de viajantes, para analisar a influência que alimentos provenientes de territórios não europeus tiveram sobre o design e a decoração dos serviços de mesa na Europa e no próprio espetáculo das refeições.Kirstin Kennedy – Victoria and Albert Museum, Londres— Intervalo 20 min. —
11:30 / Refeições e Beberetes na China Setecentista
A história das novas culturas agrícolas que foram introduzidas na China a partir do ocidente iniciou-se no final da dinastia Ming (séculos XVI-XVII), mas foi no século XVIII que o seu efeito revolucionário se sentiu mais fortemente. Estas novas culturas proporcionaram uma maior variedade às dietas tanto de ricos como de pobres, permitindo que uma população que havia atingido os limites dos seus recursos tradicionais se expandisse de novo. O milho, a batata-doce, a batata irlandesa e o amendoim tornaram-se culturas básicas na China. Esta palestra não se concentrará na dieta das camadas mais pobres da população, mas na da próspera aristocracia e da casa imperial, especialmente durante os poderosos reinados dos imperadores Kangxi, Yongzheng e Qianlong, no século XVIII. Serão utilizados registos textuais e evidências relacionadas com artefactos para ilustrar os objetos utilizados no consumo de alimentos, álcool e chá, nos quais se incluem peças do Museu Calouste Gulbenkian. Rose Kerr – Londres
11:55 / De Bagdade a Talavera de Puebla: Como uma Forma Artística Islâmica se tornou um Ícone Mexicano
Esta comunicação oferece uma visão histórica de como a indústria da cerâmica com vidrado de estanho surgiu no México, a milhares de quilómetros das suas raízes. A sobrevivência e continua prosperidade desta indústria no México é intrigante, pois nos países onde se desenvolveu inicialmente – Iraque, Irão, Egito, Síria e até Espanha – desapareceu quase por completo ou foi substituída por produtos mais baratos fabricados por máquinas. A história única do México estabeleceu as tensões centrais nas perceções, dando origem à sobrevivência e continuação desta arte cerâmica com vidrado de estanho, conhecida no México como «Talavera», e refletindo a sua evolução. Contemplar atentamente uma peça de Talavera – o seu design, forma e produção – é fazer uma viagem pela história, atravessando clivagens culturais e continentes.Farzaneh Moussavi – Universidade de Oxford
12:20 / Debate
— Intervalo 75 min. —

Parte II. Circulação de Alimentos e Pessoas

Moderação:
Moderação: Inês Brandão – Museu Calouste Gulbenkian, Lisboa
14:00 / No Reino de Pomona. Delícias Açucaradas e Doces Vaidades nas Mesas Portuguesas do Século XVIII
Em 1793, William Beckford escrevia que a doçaria portuguesa era tão extravagante que Pomona, deusa da abundância, não se sentiria envergonhada de carregar os seus frutos diante de tal sumptuosidade. Esta é uma imagem que retrata uma característica única da culinária portuguesa do início da modernidade: o fascínio pelo açúcar e pelos doces. Com uma posição proeminente no mercado mundial do açúcar desde o século XV, Portugal desenvolveu uma valorização social exacerbada e um gosto voluptuoso pela doçaria. Em consequência, um universo multifacetado de produtores e consumidores cresceu ao longo dos séculos, no qual reis, freiras, confeiteiros e criados se envolveram num mundo de doces vaidades que alcançou o seu apogeu no século de ouro de setecentos. Paradoxalmente, as fórmulas culinárias utilizadas estavam associadas a receitas tradicionais centenárias, resistindo à novidade e às tendências internacionais, centrando-se no uso de um conjunto restrito de ingredientes manipulados com criatividade e arte, e surpreendendo os consumidores através de uma experiência multissensorial. João Pedro Gomes – Universidade de Coimbra e Escola de Hotelaria e Turismo de Coimbra
14:25 / A Evolução da Identidade do Chocolate, do Chá e do Café na Europa do Século XVIII: Apropriação, Socialização e Geografia Social
Embora mais de 1300 variedades de grãos de cacau tenham sido descobertas até hoje em todo o mundo, o cacau Forastero representa atualmente mais de 80% da produção mundial, sendo cultivado principalmente em África, no Equador e no Brasil. Todavia, tal não era o caso no século XVIII, quando esta variedade de cacau era cultivada principalmente em Guayaquil e a sua circulação limitada ao mercado da Nova Espanha. Como surgiu esta geografia de produção e como tomou conta do mundo o Forastero? Esta apresentação irá aprofundar os mecanismos de difusão do chocolate dentro e além do império espanhol, levando em consideração o modo como a política comercial do Atlântico, as formas de apropriação cultural e de sociabilidade, bem como a segmentação social, se interligaram através de efeitos de ricochete que, efetivamente, alimentaram a procura de chocolate em ambos os lados do oceano e a passagem do chocolate de mercadoria atlântica para mercadoria global no século seguinte.Irene Fattacciu – Università di Torino
14:50 / Mesa de Pau | Mesa de Prata: Escravatura, Fome e Abundância
A mesa global do século XVIII não é apenas constituída de prata, de vidro, de laca e de porcelana, mas é também o resultado de um confronto entre realidades opostas: por um lado, abundância, riqueza, estatuto social elevado dos agentes europeus da sociedade setecentista e, por outro, fome, pobreza e violência vividas pelos escravos africanos que produziam e garantiam o sucesso económico e social da Europa de então. «Mesa de Pau | Mesa de Prata» simboliza e diz esse confronto: enquanto a prata simboliza a riqueza e o lucro dos negreiros europeus e dos colonizadores das Américas, o pau simboliza a alimentação de fome dos escravos (farinha de pau ou farinha de mandioca) e simboliza também os castigos a que estavam sujeitos e a violência quotidiana do trabalho e da desumanização que marcou as suas curtas vidas. Comendo farinha de pau, os escravos alimentaram a festa da prata.Isabel Castro Henriques – Lisboa
15:15 / Debate
— Intervalo 20 min. —

Parte III. Refeições e Espaço: a Sala de Jantar

Moderação:
Clara Serra e Jessica Hallett – Museu Calouste Gulbenkian, Lisboa
16:00 / O Mundo num Prato Miniatura. A Cultura Material da Comida nas Casas de Bonecas Holandesas
O Rijksmuseum possui duas casas de bonecas de finais do século XVII criadas por Petronella Dunois e Petronella Oortman. Uma terceira casa de bonecas, de Petronella de la Court, encontra-se presentemente no Centraal Museum em Utrecht. As casas de bonecas eram mais vitrinas de coleção que brinquedos de criança, verdadeiras casas miniatura à escala, absolutamente completas, desde as salas de receção aos aposentos dos criados e, no caso desta última, até com um jardim. Todas estas mulheres colecionadoras parecem ter-se dedicado especialmente à montagem das suas cozinhas, caves e despensas em miniatura. De todos os objetos das casas de bonecas, a maioria está relacionada com a alimentação. Encontramos uma grande diversidade de objetos simples do quotidiano, como panelas e frigideiras para cozinhar ou barris de madeira e potes de barro vidrado para armazenar uma grande variedade de alimentos secos, mas também objetos de luxo importados, como lacas e porcelanas da China e do Japão, para não falar dos próprios géneros alimentícios, desde os queijos locais às frutas cristalizadas de países distantes. Embora muitos objetos equivalentes em tamanho real tenham chegado até nós através de escavações ou por terem sido integrados coleções, perderam o seu contexto original. As casas de bonecas constituem-se como fonte única de estudo da relação entre a cultura material das refeições, dos alimentos e do espaço. À semelhança dos interiores domésticos reais, as casas de bonecas também não eram estáticas. Acompanhando as tendências da moda, as mulheres que as possuíam continuaram a expandir a sua coleção de objetos em miniatura e a modificar os seus minúsculos interiores, tal como o fizeram as seguintes proprietárias no século XVIII. Algumas delas mantinham cadernos de apontamentos que, combinados com os inventários das casas de bonecas e com as descrições dos visitantes, proporcionam uma visão das mudanças que foram ocorrendo ao longo do tempo.Sara van Dijk – Rijksmuseum, Amesterdão
16:10 / A Refeição em Damasco: «Pôr a mesa» numa Sala de Receção do Século XVIII
Em 2014, o Los Angeles County Museum of Art adquiriu um interior relativamente completo de uma sala de receção de Damasco, datada de 1180 AH/1766-1767. Conhecida como «qa‘a», esta seria a sala mais importante da casa, na qual os seus opulentos materiais demonstravam a riqueza e o estatuto social da família. Estes interiores bem preservados ajudam a documentar as tradições gastronómicas da época e o papel que esses espaços desempenhavam não só na hospitalidade e nas refeições, mas também na exibição dos utensílios de mesa. Nesta sala, as cornijas incorporam representações detalhadas de pratos repletos de frutas, nozes e até mesmo de baklava, servindo para aguçar o apetite dos visitantes enquanto aguardavam semelhantes iguarias, e as amplas prateleiras sugerem que as valiosas peças de cerâmica e outros utensílios nelas expostos faziam parte do espetáculo de entretenimento dos convidados. Esta comunicação irá focar-se nas informações específicas que podem ser recolhidas do interior adquirido pelo LACMA, em termos do seu contexto culinário e das suas refeições.Linda Komoroff – Los Angeles County Museum of Art (LACMA)
16:35 / De Alcachofras a Queijo Gruyère. A Mesa de Calouste Gulbenkian
Em 1935, deparando-se com a mesa posta para o pequeno-almoço de Calouste Gulbenkian no seu quarto no número 51 avenue d’Iéna, Kenneth Clark confessa-se encantado com a «douceur de vivre» da cena. Dois ovos numa «tazza» de prata dourada, desenho de Charles Percier, destacavam-se entre os elementos-chave. A residência parisiense, visitada pelo diretor da National Gallery naquela ocasião, houvera sido adquirida pelo colecionador, em 1922, com o intuito de concretizar um objetivo de vida: reunir a coleção sob um só teto. Tendo como cenário a mansão Gulbenkian, esta comunicação desvenda, por um lado, a cozinha e os ambientes onde habitualmente decorriam as refeições; explorando, por outro, os hábitos e preferências gastronómicas do colecionador. Como em outras situações, a mesa de Calouste Gulbenkian irá refletir o cruzamento de culturas e geografias em que nasceu e viveu, bem como os elevados padrões de exigência e qualidade segundo os quais invariavelmente pautou a sua vida e atuação, pessoal e profissional.Vera Mariz – Universidade de Lisboa e Museu Calouste Gulbenkian, Lisboa
16:50 / Discussão e Conclusão
João Carvalho Dias – Museu Calouste Gulbenkian
17:00 / Workshop - Reconstruir uma Merenda Global
João Pedro Gomes – Universidade de Coimbra e Escola de Hotelaria e Turismo de Coimbra

Ficha técnica

Organização

Jessica Hallett – Coordenadora de Investigação, Museu Calouste Gulbenkian
André Afonso – Conservador de Ourivesaria, Museu Calouste Gulbenkian

A Fundação Calouste Gulbenkian reserva-se o direito de recolher e conservar registos de imagens, sons e voz para a difusão e preservação da memória da sua atividade cultural e artística. Caso pretenda obter algum esclarecimento, poderá contactar-nos através do formulário Pedido de Informação.

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