Em novembro de 1992, Paris recebeu a sétima edição do «Mois de la Photo», evento internacional com uma programação estendida a vários espaços culturais da capital francesa. O Centre Culturel Portugais (CCP) da Fundação Calouste Gulbenkian (FCG) associou-se a essa iniciativa, apresentando uma exposição individual de Fernando Lemos (1926-2019), patente de 12 de novembro a 17 de dezembro de 1992.

Expoente do surrealismo português, radicado no Brasil desde 1953, Lemos desenvolveu até hoje uma obra extremamente plural nos campos da pintura, da colagem, do têxtil e da cerâmica, das artes gráficas e do design e, claro, da fotografia – terreno em que consolidou, na passagem da década de 1940 para a de 1950, uma fase autónoma que esta mostra abordava. Provém de uma época particularmente quente para os meios culturais portugueses, em acesa oposição ao regime ditatorial, e foi realizada nos anos imediatamente anteriores à partida do autor para o exílio. São trabalhos caracterizados pelo experimentalismo face ao medium fotográfico, ora mais denunciado através da montagem, ora mais subtil, trabalhando a cena e a luz de modo a despertar um fator surrealizante no ambiente captado pela câmara. A manipulação laboratorial conduz, por vezes, à sobreposição de negativos e a jogos de velaturas e opacidades, incrementando a estranheza e o ambiente alucinogénio das imagens. No entanto, o domínio quase clássico da fotometria e do preto-e-branco, aliado a um apurado sentido de equilíbrio composicional, conferem sustentação e estrutura a muitos dos planos – sempre em formato 6 × 6. É surpreendente verificar como é essa estabilidade que se torna inusitada nestas atmosferas mais inebriadas.

É muito curioso que o retrato surja como uma das temáticas mais constantes desta abordagem, entre a normalidade e o delírio que espreita. É imediatamente antes de partir para o Brasil, que Lemos constrói um autêntico repositório de personalidades da sua contemporaneidade artística e literária em Portugal. É aí que mais se sente a capacidade da fotografia para ultrapassar os preconceitos de registo objetivo da realidade que caem sobre ela. Lemos capta atmosferas psicológicas, estados de espírito, desejos e expectativas de um tempo, pondo a fotografia ao serviço da invenção de um imaginário.

O catálogo desta exposição em Paris distingue o papel do fotógrafo Yvon de la Marlec (1951-2007), que assina a reimpressão de cerca de 90 imagens do vasto corpo de trabalho realizado por Lemos nestes curtos anos entre 1949 e 1952. Hoje pertencentes à Coleção Moderna da FCG, essas provas partilham um núcleo dedicado ao autor, que integra muitas outras peças, tanto fotográficas como de desenho, gravura e pintura.

A participação portuguesa na edição de 1992 do «Mois de la Photo à Paris: Novembre 1992» contaria ainda com outra exposição, a coletiva «Aspects de la Photographie Portugaise», no Espace Montmartre – Musée Dalí. Apresentava trabalhos de oito fotógrafos portugueses contemporâneos: Aníbal Lemos (1951), João Tabarra (1966), José Afonso Furtado (1953) – ex-diretor da Biblioteca de Arte da FCG –, José Maçãs de Carvalho (1960), José Pastor (1956), Manuel Magalhães (1945), Rui Prata (1955) e Silvia Séova (1955) (Aspects de la Photographie Portugaise…, 1992).

Daniel Peres, 2018