João Cutileiro. Exposição Antológica

Exposição antológica da obra escultórica de João Cutileiro (1937), comissariada por Hellmut Wohl e José Sommer Ribeiro. Esta mostra abrangia um período de trinta e quatro anos de atividade do artista português, de 1956 a 1990, em que alternavam temáticas de figuras femininas, maquetas de estátuas equestres e guerreiros.
Retrospective exhibition on the sculptural work of Portuguese artist João Cutileiro (1937), curated by Hellmut Wohl and José Sommer Ribeiro. The show covered 34 years of the artist’s career, from 1956 to 1990, with sculptures of the female figure interspaced with models of equestrian statues and warriors.

Exposição antológica da obra escultórica de João Cutileiro (1937-2021), comissariada por Hellmut Wohl e José Sommer Ribeiro.

Em lugar de uma abordagem cronológica, Wohl e Sommer Ribeiro optaram por uma organização temática, desenvolvida ao longo de onze secções, nas quais eram apresentadas obras de períodos distintos.

Esta exposição ocupou os pisos 0 e 01 da Galeria de Exposições Temporárias da Sede da Fundação Calouste Gulbenkian, abrangendo um período de trinta e quatro anos de atividade do artista português. As balizas temporais fixaram-se entre 1956, segundo ano de estudos de Cutileiro na Slade School of Fine Art (Londres), e 1990, momento da inauguração da exposição.

O piso 0 era dedicado à figura humana, com especial incidência no nu feminino como símbolo de sensualidade, prazer e vida, temática predominante na obra de Cutileiro. Este espaço foi povoado por torsos verticais e reclinados, de diferentes dimensões, esculpidos em mármore de diversas cores (branco, rosa, cinza), que se encontravam expostos ora diretamente no chão, ora em plintos e vitrinas. Esta secção permitia ao espectador conhecer várias das pesquisas levadas a cabo por Cutileiro na representação do corpo, que revelavam o aprofundamento e questionamento de determinados aspetos da escultura ao longo da História, desde a era primitiva até à modernidade.

A este propósito o artista confessara: «Tenho essa dívida de gratidão à arte moderna – a possibilidade de beber de todos os copos. Do abstraccionismo, do barroco, da escultura indiana, da arte negra.» (João Cutileiro. Exposição Antológica, 1990) Exemplo disto são a simplificação das formas, principalmente nos rostos, mãos e pés; a conjugação de superfícies polidas e volumes em bruto, o que chamava a atenção para a natureza pétrea daqueles corpos; o contraste entre o realismo do corpo e certos elementos de traço expressionista, como o cabelo; e a exploração da fragmentação, através da eliminação de algumas partes do corpo (cabeça, braços, pernas), lembrando as mutilações das esculturas da Antiguidade Clássica, fruto da ação do tempo e do homem. As referências à história da arte surgiam também nos títulos das obras: Homenagem a Chirico (1968), Menina da Fonte: Recuperação de Ingres em Kitsch (1976), A Desterrada (1980). Seguiam-se as figuras bífidas, com os seus torsos e cabeças divididas, a maioria das quais ligadas apenas num único ponto, como A Vestal de Diana (1981), em que as duas metades se encontram unidas por uma forma ovoide. Esta escultura, cedida pela Câmara Municipal de Évora para figurar nesta exposição, abandonara temporariamente o jardim por baixo do Templo de Diana, onde se encontrava implantada.

Alguns outros exemplos de arte pública integraram a mostra, como Évora Revisitada I (1981) e André de Resende (1974), remetendo para a extensa atividade de Cutileiro neste campo. As duas últimas secções deste piso, «1956/1966» e «Guerreiros», eram de cariz mais histórico, abrangendo a produção do período de formação do artista na Slade School of Fine Art (1955-1959) e os anos seguintes, até ao momento em que este utilizou pela primeira vez ferramentas elétricas, passando a trabalhar exclusivamente o mármore. Este período caracteriza-se pela produção de múltiplos em materiais diversos, como cimento, poliéster, ferro, bronze e fibra de vidro misturada com pó de bronze.

As temáticas variam entre figuras femininas, algumas lembrando figuras votivas, outras bonecas articuladas, maquetas de estátuas equestres e guerreiros. O núcleo dos guerreiros juntava pequenas estatuetas em ferro, poliéster e fibra de vidro, datadas de 1963, e outros trabalhos em mármore, de pequenas e grandes dimensões (chegando o maior a alcançar dois metros de altura), realizados em 1968 e 1989, quando o artista regressa a esta temática, situação que o próprio justifica do seguinte modo: «Não consigo deixar de ligar a minha vontade de fazer guerreiros à forma de governação deste Governo e do prof. Cavaco Silva. Fiz muitos guerreiros durante a guerra de Angola, em 63, 64, durante o auge da guerra. Tenho a impressão, através da imagem televisiva do primeiro-ministro e da sua governação, que parece que estamos em guerra. Uma guerra de Poder.» (Sousa, Diário de Notícias, 1 abr. 1990)

Enquanto no piso 0, o desenho do espaço tirava proveito da amplitude da galeria, privilegiando a fluidez, no piso 01, o espaço foi fragmentado numa sucessão de cubos brancos. Este aspeto, conjugado com a iluminação usada e o facto de esta galeria não possuir aberturas para o exterior, conferia uma certa artificialidade aos diversos ambientes escultóricos criados, que surgiam como cenários no intervalo de uma qualquer peça teatral. As diferentes secções aqui incluídas seguiam determinado ritmo. A secção «Árvores, plantas e animais» foi dividida, antecedendo e seguindo cada um dos restantes núcleos: «Retratos e figuras históricas», «Cavaleiros» e «Peixes». O exército de cavaleiros anónimos – em que homem e cavalo se fundem num só, numa arma de guerra bruta, pesada, violenta – contrastava com a leveza, harmonia e vida da flora e da fauna, símbolos de vida. Associada à vida e à morte, surge a memória, aqui presente no questionamento dos monumentos oficiais e dos mitos em estudos para estátuas, como a de Luís de Camões e a de D. Sebastião, bem como nos retratos de individualidades e gente anónima.

A seleção das peças resultou do trabalho conjunto de Wohl e Sommer Ribeiro. A não participação do artista nesta escolha foi justificada pelo próprio nos seguintes termos: «Eles bem quiseram arrastar-me para esse buraco sem fundo e eu disse que, se participasse da escolha, perdia a graça toda! O que eu gostava de ver é o que outros pensam e vêem. Acompanhei muitas partes do processo de escolha, porque foi feita à base de slides. Como consultor, eu dizia, não, essa não pode ser, está destruída ou está muito frágil ou essa está no estrangeiro, mas há uma muito parecida […]. Aliás, vieram muitas peças do estrangeiro! […] Pus-me completamente à margem do lado estético. E também me pus completamente à margem na própria montagem da exposição.» (Ibid.)

Algumas das opções curatoriais não foram bem recebidas pela crítica. José Luís Porfírio manifestou reservas em relação à exposição, devido à seleção, montagem e repetição que esta pressupunha: «Toda a antologia é uma escolha, uma opção. Esta, para além da sua organização temática […], opta também por só mostrar figuras isoladas e nunca conjuntos, paisagens ou sugestões paisagísticas, situações potencialmente teatrais, ou até as peças decorativas a duas dimensões. Homem, mulher, árvore ou peixe, monumento ou retrato, é sempre de uma figura isolada em cada caso, independentemente de se tratar de um monólito ou de uma peça compósita. […] Esta é uma opção que por certo limita a leitura do trabalho de J.C. como variedade.» (Porfírio, Expresso, 13 mar. 1990)

Também João Pinharanda discordou de algumas linhas seguidas pelos comissários, insinuando que a mostra ficava aquém do esperado. A seu ver a complexidade da obra de Cutileiro assenta no facto de oscilar entre «uma linha de intransigência estética e ética» e «uma linha de compromisso e cedência» (Pinharanda, Público, 16 mar. 1990, p. 14). Para este crítico, a exposição acabou por salientar a segunda linha de pensamento, considerando «infeliz e hipócrita» a retirada dos «centros de mesa que exibem enormes falos e que repõem uma nota de provocação em objectos vocacionados para o consumo domesticado de um lar» (Ibid.).

Esta e outras críticas não demoveram o público. Poucos dias depois da inauguração, a vasta afluência à mostra era comentada por José Sommer Ribeiro numa carta de agradecimento a Hellmut Wohl: «[…] o público está a afluir de uma forma impressionante. No domingo foi uma autêntica romaria.» (Carta de José Sommer Ribeiro para Hellmut Wohl, 12 mar. 1990, Arquivos Gulbenkian, CAM 0018)

Entre os inúmeros admiradores de Cutileiro destacava-se o então presidente da República, Mário Soares, que estivera presente na inauguração da exposição e declarara ao Diário de Notícias ser «grande amigo, grande admirador e um dos primeiros compradores» da obra de Cutileiro («Uma mostra antológica», Diário de Notícias, 11 mar. 1990).

Paralelamente à exposição foi publicado um catálogo, no qual se reproduziu a totalidade das obras expostas (215), 36 das quais pertencentes a coleções internacionais (Estados Unidos, Alemanha, Suíça, Reino Unido).

Mariana Roquette Teixeira, 2018


Ficha Técnica


Artistas / Participantes


Coleção Gulbenkian

Ave do Paraíso Fêmea

João Cutileiro (1937-2021)

Ave do Paraíso Fêmea, 1965 / Inv. 90E964

Estátua do Pátio de Lagos

João Cutileiro (1937-2021)

Estátua do Pátio de Lagos, 1961 / Inv. 90E962

Figura Sentada

João Cutileiro (1937-2021)

Figura Sentada, 1965 / Inv. 90E963

Homenagem a Paolo Uccello

João Cutileiro (1937-2021)

Homenagem a Paolo Uccello, 1965 / Inv. 65E281

Maesagem Rosa (Grande figura reclinada)

João Cutileiro (1937-2021)

Maesagem Rosa (Grande figura reclinada), 1974 / Inv. 79E485

Menina do Colar

João Cutileiro (1937-2021)

Menina do Colar, 1965 / Inv. 90E488

Torso grande sentado

João Cutileiro (1937-2021)

Torso grande sentado, 1977 / Inv. 81E486

Ave do Paraíso Fêmea

João Cutileiro (1937-2021)

Ave do Paraíso Fêmea, 1965 / Inv. 90E964

Estátua do Pátio de Lagos

João Cutileiro (1937-2021)

Estátua do Pátio de Lagos, 1961 / Inv. 90E962

Figura Sentada

João Cutileiro (1937-2021)

Figura Sentada, 1965 / Inv. 90E963

Menina do Colar

João Cutileiro (1937-2021)

Menina do Colar, 1965 / Inv. 90E488


Publicações


Material Gráfico


Fotografias


Multimédia


Documentação


Periódicos


Fontes Arquivísticas

Biblioteca de Arte Gulbenkian, Lisboa / Dossiê BA/FCG

Coleção de dossiês com recortes de imprensa de eventos realizados nas décadas de 80 e 90 do século XX, organizados de forma temática e cronológica. 1984 – 1997

Arquivos Gulbenkian (Centro de Arte Moderna), Lisboa / CAM 00187

Pasta com documentação referente à produção da exposição. Contém correspondência, fichas de empréstimo, plantas arquitetónicas com ensaios de montagem. 1988 – 1992

Arquivos Gulbenkian (Centro de Arte Moderna), Lisboa / CAM 00188

Pasta com documentação referente à produção da exposição. Contém correspondência, fichas de empréstimo. 1989 – 1990

Arquivos Gulbenkian (Centro de Arte Moderna), Lisboa / CAM 00189

Pasta com documentação referente à produção da exposição. Contém correspondência, fichas de empréstimo, material para o catálogo, lista de obras e lista com indicações da disposição das obras no espaço. 1989 – 1991

Arquivos Gulbenkian (Serviço de Comunicação), Lisboa / COM-S001/019-D02255

Coleção fotográfica, cor: inauguração (FCG, Lisboa) 1990

Arquivos Gulbenkian (Centro de Arte Moderna), Lisboa / CAM-S005/01/01-P0084

Coleção fotográfica, cor: aspetos (FCG, Lisboa) 1990


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