De 5 de junho de 2014 a 31 de maio de 2015, o Centro de Arte Moderna (CAM) da Fundação Calouste Gulbenkian (FCG) apresentou «Arshile Gorky e a Coleção», exposição que reuniu grandes nomes da arte portuguesa em torno da obra do artista arménio Arshile Gorky (1904-1948). Isabel Carlos, Ana Vasconcelos, Leonor Nazaré e Patrícia Rosas foram as curadoras desta mostra, cuja inauguração, na Galeria de Exposições Temporárias (piso -1), a 4 de junho de 2014, ocorreu simultaneamente com a inauguração das exposições «Daqui Parece uma Montanha», «Túlia Saldanha (1930-1988)» e «André Guedes. Prospecto, Cena III, Intervalo e Cena IV», e contou com a presença de Artur Santos Silva e Teresa Gouveia, respetivamente, presidente e administradora da FCG.

Com 94 obras, pertencentes ao acervo do CAM ou aqui depositadas, a exposição propôs uma revisitação da arte do século XX, sendo construída à volta de quatro grandes temas – «Retrato», «Natureza-Morta», «Surrealismo» e «Abstração» – introduzidos por Arshile Gorky, cuja obra, segundo Ana Vasconcelos, «permite falar da arte americana e europeia do século XX, num diálogo em que igualmente se inscrevem vários artistas portugueses» (Arshile Gorky e a Coleção, 2014, p. 2).

Este diálogo foi estabelecido através da convocação dos mesmos tópicos de pesquisa artística, visíveis, por exemplo, no estudo a guache para a série de desenhos Jazz Hot et Machinisme (1935), de Frantisek Kupka (1871-1957), e nos estudos de Gorky para os murais Aviation: Evolution of forms under aerodynamic limitation (1935-36), que conjugam abstracionismo e figuração e se inserem num programa de preocupações artísticas e de levantamento iconográfico em voga na altura, relacionado com o entendimento técnico do funcionamento das máquinas de aviação.

Ervand Kotchar (1899-1979), outro artista arménio, esteve também representado nesta exposição, através das obras Tête (1933) e Mélancolie (1959), que exprimem princípios do Manifesto Dimensionista, que apela «à diluição das fronteiras entre as artes e à aplicação na prática artística das novas ideias sobre “Espaço-Tempo” e dos novos dados técnicos da época» (Arshile Gorky e a Coleção, 2014, p. 2). Estes princípios foram depois difundidos no panorama artístico lisboeta com o regresso de Paris de António Pedro (1909-1966), embora assumindo um estilo de cariz surrealista, ao surgir no trabalho de artistas portugueses como Cândido Costa Pinto (1911-1976), Marcelino Vespeira (1925-2002) e Mário Cesariny (1923-2006).

Segundo Ana Vasconcelos, a forte presença da obra de Gorky no trabalho de artistas portugueses é assinalável num poema-colagem de duas folhas, de Mário Cesariny, que constitui um comentário irónico sobre a Exposition International du Surréalisme, de 1947, na qual Gorky foi convidado a expor. Também na obra de Paula Rego (1935-2022) se sente a presença do artista arménio, validada pela enorme admiração que a artista portuguesa confessou ter por Gorky, após o contacto com a sua obra na primeira exposição realizada em Portugal, em 1965, na Sociedade Nacional de Belas-Artes.

Apesar de Gorky não ter uma forte presença na Coleção Moderna, o grande número de obras pertencente à Eastern Diocese of the Armenian Church of America, constituído por pinturas sobre tela, pinturas e desenhos sobre papel, litografias e três modelos de arados arménios, que se encontra em depósito no CAM, permitiu um entendimento vasto da obra deste artista. Pertencentes à Coleção Moderna, estiveram expostas as obras Vale of the Armenians (1944), Sem Título (Paisagem da Virgínia) (1947) e Garden of Wish Fulfilment (1944).

Os trabalhos mais antigos apresentados datam da década de 1920, altura em que o processo artístico de Gorky passava pela imitação da pintura de artistas como Picasso (1881-1973), Cézanne (1939-1906), Braque (1882-1963), Léger (1881-1955) e De Chirico (1888-1978), dos quais tomava conhecimento através da constante visita a museus e galerias em Nova Iorque. O artista arménio demorava horas nessas exposições, formando, por vezes, «um óculo com as mãos para se concentrar nos pormenores estudados» (Arshile Gorky e a Coleção, 2014, p. 5). As obras selecionadas mostravam também a influência de Miró (1893-1983) e Kandinsky (1866-1944), aos quais foi buscar a intensidade dos jogos cromáticos e a fluidez da composição de elementos perdidos no espaço, que por sua vez lhe deram acesso a uma forma lírica de gravar momentos da memória.

No relatório final da exposição, apontam-se como pontos fortes a visibilidade das obras e a facilidade de circulação, e como pontos mais fracos a documentação insuficiente.

A receção da crítica portuguesa à exposição foi maioritariamente positiva, sendo classificada por Celso Martins com três estrelas. No artigo que escreveu para o Actual, suplemento do jornal Expresso, o crítico revelava-se surpreso com o diálogo proposto entre a obra de Gorky e o trabalho de alguns artistas portugueses, como Fernando Calhau (1948-2002), Fernanda Fragateiro (1962) e Ana Vidigal (1960), «presenças de sentido menos evidente que não desmancham, porém, o jogo de proximidades que dá sentido a esta revisitação da coleção» (Martins, Expresso, 6 set. 2014).

Apesar de não ter editado um catálogo, o CAM publicou uma pequena brochura com um texto assinado por Ana Vasconcelos e com o programa de atividades associadas à exposição.

O programa de atividades foi vasto e incluiu diversas visitas guiadas, das quais se destacou a iniciativa «Em Contacto! Artistas e Curadores», que estabeleceu o contacto direto e informal entre os visitantes e os artistas e as curadoras responsáveis pela exposição.

A palestra dada pela professora Kim S. Theriault, intitulada «Arshile Gorky. Em busca do abstrato» e inserida na Semana da Cultura Arménia, permitiu um novo olhar sobre o artista e a sua obra.

Para assinalar o Dia Internacional dos Museus, e no dia em que a exposição encerrou, foi realizada uma performance no espaço expositivo, intitulada Logo à Noite no Lago Van, que contou com a participação de Levon Mouradian (violoncelo), Miguel Horta (texto e narração), Anna Mouradian (violoncelo e piano), Nariné Dellalian (violino) e Marina Dellalyan (piano). Esta performance resultou da colaboração com o Serviço das Comunidades Arménias e pretendeu, através do contacto direto com as obras, celebrar o artista e a obra, «cruzando para isso a investigação, a música e a narração numa proposta criativa para todos os públicos» («Arshile Gorky e a Coleção» [Programa], 2014, Arquivos Gulbenkian, ID: 114897).

Carolina Gouveia Matias, 2019