Túlia Saldanha

Primeira exposição individual antológica da artista Túlia Saldanha (1930-1988), cuja carreira e obra, tardiamente iniciada, e pouco celebrada, tem a maior importância no panorama dos anos 70 e 80 do século XX em Portugal. A mostra contou com a curadoria de Liliana Coutinho e Rita Fabiana.
First solo retrospective exhibition on artist Túlia Saldanha (1930-1988), whose career and work, despite starting and seeing little recognition, played an important role in Portugal’s art scene during the 1970s and 1980s. The show was curated by Liliana Coutinho and Rita Fabiana.

«Túlia Saldanha» foi uma exposição temporária, patente de 5 de junho a 28 de setembro de 2014, no Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian.

Foi a primeira antológica de Túlia Saldanha (1930-1988), «uma das primeiras [artistas] a trabalhar, em Portugal, no campo da performance e da instalação, nos anos 1970 e 1980», e cuja obra, relevante para a história da arte contemporânea, com ecos e diálogos no panorama internacional, se revela até à data praticamente desconhecida do público português (Ficha de conceção de exposições temporárias, 2014, Arquivos Gulbenkian, CAM 00689).

A exposição veio apresentar a obra (e a personalidade) da artista transmontana através de um conjunto significativo de cerca de 63 trabalhos produzidos entre 1967 – ano em que inicia a sua formação no Círculo de Artes Plásticas de Coimbra (CAPC) – e 1987.

Túlia Saldanha começa por se formar em pintura no CAPC. Mudara-se para Coimbra com as filhas pouco tempo antes, depois de um processo de divórcio, e os contactos e encontros que então estabelece alimentam a sua imensa vontade de criar e de experimentar com a arte. Túlia enceta uma carreira artística à qual se entrega por completo, como o atesta a agilidade com que passa da pintura, que não abandonará – veja-se Poselipse (1985) e Travelling (1986) –, aos primeiros «ambientes», «envolvimentos» e instalações – Sala de Descontracção (1975-76), Sala Preta n.º 1 (1973) e Sala Preta n.º 2 (1974) –, aos pequenos objetos intervencionados – Fim-de-semana (1974-1977), Homenagem a Maciunas (1979) – e daí às ações e práticas performativas – O Banquete (1976-1979) –, por vezes de caráter colaborativo e interventivo.

Túlia trabalha intensamente os vários media – instalação, performance, objetos, pintura e desenho –, e nunca impede o ato criativo, regressando com frequência a séries anteriores que explora sob novos formatos, e títulos, que encolhe ou acrescenta, jogando com a mensagem a transmitir.

Longe de Peredo, Macedo de Cavaleiros, a casa de sempre e tema ao qual retorna inúmeras vezes – Do Nordeste a Coimbra (c. 1978) –, Túlia Saldanha fomenta um imaginário cabal e autobiográfico. O tempo é também uma referência constante; um tempo não cronológico, mas potencial, correndo organicamente a par dos aspetos biológicos e psicológicos, também ligado à emoção. Túlia fala-nos de vida e morte; da importância dos momentos de passagem e de fronteira; do valor de um tempo passado, restrito; e de um presente em aberto e por descobrir.

O ambiente ontem hoje amanhã nunca? Umahora vi quando tueraspequenina muitasvezesàtarde naturezamorta queimada (1971) evoca a pintura, tanto no género – «natureza-morta» – como no tratamento e conceção: sob e em redor de uma grande mesa de madeira dispõem-se objetos queimados e pintados de preto. O espaço íntimo e de domesticidade para o qual nos transporta a cozinha é simultaneamente o espaço do confinamento e da partilha, onde a transformação pelo fogo – tanto no seu significado, como na sua concretização – é metáfora para a memória, para o encontro, para o convívio e para os afetos.

Agir de acordo com um ritual, enfatizando o processo de servir um banquete de pratos tradicionais, ou de desenhar incessantemente – como faz com Robert Schad em 100 Horas a Desenhar (1981) e 33 Horas a Desenhar (1983) –, é sublimar a realidade. As referências ao olho, ao ovo ou à elipse, transportam a ideia de origem, de acesso ao que é real e verdadeiro; que existe.

Embora se tenha manifestado relativamente tarde, o percurso de Túlia Saldanha desenvolve-se a um ritmo galopante, e mostra-se absolutamente dedicado a uma ideia de arte intrínseca à vida, realizada e disponível por todos e para todos. A vertente colaborativa e interventiva que caracteriza grande parte da sua obra associa-se de forma muito particular ao trabalho desenvolvido no CAPC, que «geriu [como] espaço social e emocional» ao longo das décadas de 70 e 80, quando foi a diretora. De facto, o CAPC promovera ações ritualísticas e celebratórias, sobretudo por meio de Ernesto de Sousa e de Wolf Vostell, as pontes para a aproximação às práticas Fluxus. Invadindo a rua, ou explorando a criação e produção artísticas no interior das instituições, o que importava era viver a arte, permitindo que a criatividade se expressasse plenamente e sem limites (Túlia Saldanha, 2014, p. 20).

De facto, os efeitos catárticos, a pedagogia e a educação para a arte foram campos do maior interesse para Túlia. Através do acompanhamento, orientação e tutoria de crianças e adolescentes, no CAPC, no Centro de Observação Anexo ao Tribunal de Menores, e em escolas de ensino infantil e primário, sempre em Coimbra, a artista personifica a «cola branca», como a relembra José Alfredo Marques, numa «quase analogia entre as figuras de artista e de educador para artistas» (Ibid., pp. 20-21). Apesar de ter sido também uma atividade de subsistência, esse é para a artista um trabalho que se lhe revela com naturalidade, e que considera primordial, uma vez que nos confirma a impossibilidade de se destrinçar a vida da arte e a arte da vida.

Foi nestes moldes que a exposição procurou assentar, prestando-se a apresentar a um público essencialmente alheio à existência da pessoa e artista que foi Túlia Saldanha a sua vida e obra. Obedecendo ao rigor científico, a exposição primou por conservar a imagem e posição de Túlia, cuja inscrição em contexto internacional nunca comprometeu a sua liberdade artística, característica de uma imensa «força experimental, multidisciplinar e performativa» (Túlia Saldanha. Dossiê de artista, Arquivos Gulbenkian, CAM 02217).

A exposição «Anos 70. Atravessar Fronteiras» (2009-2010) abrira um espaço para o diálogo sobre a obra de Túlia Saldanha, acerca da qual pouco se sabia. O Centro de Arte Moderna (CAM) considerou ser da maior importância que uma mostra lhe fosse exclusivamente dedicada, preenchendo os requisitos da Fundação Calouste Gulbenkian (FCG) em alargar o conhecimento por parte do público acerca dos artistas que contribuíram para a arte contemporânea, nomeadamente em contexto português, prestando-lhes o devido reconhecimento.

Os trabalhos de investigação começaram a concretizar-se em força a partir de 2011, mas o projeto retrocedia a 2009, com a candidatura de Liliana Coutinho, que viria a ser contratada como curadora externa para trabalhar com Rita Fabiana, curadora do serviço do CAM. A rede de contactos que então se formou foi essencial para o avanço dos trabalhos: além do apoio do CAPC, do Museo Vostell, e do testemunho de numerosos artistas com quem Túlia Saldanha trabalhou e privou; beneficiou-se ainda da colaboração da família – sobretudo de Luísa Saldanha, filha da artista, que muito se entusiasmou com a iniciativa –, permitindo o acesso exclusivo ao apartamento de Túlia, em Coimbra, onde há mais de trinta anos se conservava um considerável espólio com obras e documentação, crucial sobretudo para compreender a performance.

No âmbito da exposição, como parte da programação paralela, foram organizadas três visitas com as curadoras, Rita Fabiana e Liliana Coutinho, sob os títulos «Uma Obra de Arte à Hora de Almoço» e «À Conversa com as Curadoras». Hilda Frias, mediadora cultural da FCG, guiou ainda por três ocasiões as visitas «Domingos com Arte».

A exposição mereceu a melhor divulgação nos meios de comunicação social portuguesa através da Actual, suplemento do jornal Expresso, e da Tentações, suplemento da revista Sábado. Foi ainda distinguida pela Time Out como a escolha n.º 1 de exposições a não perder, além de referida em algumas plataformas online.

Em agosto de 2014, o Museo Vostell Malpartida (em Cáceres, Espanha) solicitou a itinerância da exposição. O pedido justificava-se pela ligação de Túlia ao seu fundador, o artista Wolf Vostell (1932-1998) e à própria instituição, onde expusera e atuara – durante a SACOM II

(1979), Fluxus Oblación [licor amoroso] e Comidas Portuguesas [Comidas Olvidadas]. A mostra esteve patente de 20 de novembro de 2014 a 1 de abril de 2015 e suscitou várias referências em plataformas espanholas.

Na sequência da exposição, Luísa Saldanha doou três obras à coleção do CAM – Sala Preta n.º 1 (1973); Sala Preta n.º 2 (1974), Sala de Descontracção – e vendeu outras duas – 240.180.180 dissemetria matter (1980) e De Nordeste a Coimbra (1978).

Madalena Dornellas Galvão, 2019


Ficha Técnica


Artistas / Participantes


Coleção Gulbenkian

240.180.180. dissemetria mater

Túlia Saldanha (1930-1988)

240.180.180. dissemetria mater, 1980 / Inv. 15E1781

Do Nordeste a Coimbra

Túlia Saldanha (1930-1988)

Do Nordeste a Coimbra, 1978 / Inv. 15E1780

Sala de Descontração

Túlia Saldanha (1930-1988)

Sala de Descontração, 1975 / Inv. 15E1784

Sala Preta nº 1

Túlia Saldanha (1930-1988)

Sala Preta nº 1, 1973 / Inv. 15E1782

Sala Preta nº 2

Túlia Saldanha (1930-1988)

Sala Preta nº 2, 1974-77 / Inv. 15E1783

Sala de Descontração

Túlia Saldanha (1930-1988)

Sala de Descontração, 1975 / Inv. 15E1784


Publicações


Material Gráfico


Fotografias

Liliana Coutinho
Isabel Carlos (à esq.) e Teresa Patrício Gouveia (à dir.)
Artur Santos Silva (ao centro) e Rita Fabiana (à dir.)
Isabel Carlos, Artur Santos Silva, Rita Fabiana (atrás, da esq. para a dir.)

Documentação


Periódicos


Páginas Web


Fontes Arquivísticas

Arquivos Gulbenkian (Centro de Arte Moderna), Lisboa / CAM 00691

Pasta com documentação referente à produção da exposição. Contém correspondência interna e externa, convite e planta do espaço expositivo. 2011 – 2015

Arquivos Gulbenkian (Centro de Arte Moderna), Lisboa / CAM 00691

Pasta com documentação referente à produção da exposição. Contém correspondência interna e externa, recortes de imprensa, convite e planta do espaço expositivo. 2010 – 2015

Arquivo Digital Gulbenkian, Lisboa / ID: 4739

Coleção fotográfica, cor: aspetos (FCG-CAM, Lisboa) 2014

Arquivo Digital Gulbenkian, Lisboa / ID: 4711

Coleção fotográfica, cor: inauguração (FCG-CAM, Lisboa) 2014


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