A convite de António Pinto Ribeiro, coordenador do programa «Próximo Futuro», o artista plástico brasileiro natural do Recife Kilian Glasner (1977) desenvolveu um trabalho de intervenção urbana no espaço do Jardim Gulbenkian. Intitulado O Brilhante Futuro da Cana-de-Açúcar, este trabalho esteve patente na garagem subterrânea da Sede da Fundação Calouste Gulbenkian (FCG), espaço raramente utilizado para fins expositivos. Foi um dos quatro projetos de arte pública autónomos apresentados pela FCG entre os dias 18 de junho e 30 de setembro de 2010.

O brasileiro Kilian Glasner começou a trabalhar no projeto/instalação-mural em maio de 2010, e o objetivo era realizar um painel de 42 metros de comprimento e 5 metros de altura, perfazendo um total de 300 metros quadrados. O material utilizado foi pastel seco, material seco carbonizado e adesivo refletor altamente tecnológico.

Este mural tem como base o desenho. O artista aumenta progressivamente as dimensões das folhas até ao máximo possível, até os desenhos deixarem de caber no papel. Após este processo, passa a trabalhar diretamente na parede. No entanto, o detalhe do desenho continua visível, principalmente em partes selecionadas, o que confere a este trabalho a qualidade de se poder «"ver de longe e de perto", percorrendo toda a amplitude da escala, da claridade à escuridão» (Nunes, JL. Jornal de Letras, Artes e Ideias, 16 jun. 2010, p. 13).

O nome escolhido pelo artista plástico para o projeto foi O Brilhante Futuro da Cana-de-Açúcar, no entanto acabou por ficar conhecido como o Mural. Em entrevista ao JL, o artista fala das motivações que o levaram a realizar esta obra: «A escolha do tema decorre […] do próprio “genérico” do festival. Não estou falando do futuro apenas por uma estética futurista, que o trabalho tem, mas também da economia. […] A cana-do-açúcar é um produto da agricultura do meu país, que está cada vez mais em evidência. Está, aliás, ligado à própria história do Brasil e da relação com Portugal. Mas também tem uma vertente energética de futuro e cai bem num local como uma garagem.» (Ibid.)

Na mesma entrevista, o artista explica em que medida o mural é também uma «denúncia ambiental»: «Em boa parte das plantações no Brasil, a cana é extraída depois de queimada nos canaviais, para retirar as folhas, o que é muito nocivo para o meio ambiente e para as pessoas […]. O meu mural fala disso, porque é uma queimada num canavial, uma estética nocturna, com uma estética fantástica.» (Ibid.) E é aqui que o local escolhido se torna conceptualmente relevante. Kilian Glasner, ao conjugar a ampliação da escala com a utilização de materiais refletores idênticos aos usados nas estradas, cria no espaço fechado de uma garagem a «ilusão de fogo»: «A obra deixa de ser apenas um mural, para ser uma instalação interativa, refletindo a luz dos carros. […] Quando entrarem na garagem, os motoristas fazem uma comunicação direta com o trabalho. São os faróis que deflagram esse incêndio.» (Ibid.)

Em modo de conclusão, e a propósito do que se procurava alcançar, o site oficial do programa «Próximo Futuro» esclarece-nos: «O objectivo é proporcionar o confronto dos visitantes habituais e ocasionais dos espaços públicos da Fundação com estas e outras instalações, contribuindo para o debate sobre a intervenção das obras de arte no espaço público.» (Disponível em: https://proximofuturo.gulbenkian.pt/blog/arquivo/201006)

Criado em 2009, «Próximo Futuro» foi um programa temporário coordenado por António Pinto Ribeiro, inicialmente para três anos, que viria a prolongar-se até 2015. O programa estava maioritariamente dedicado à investigação e criação artística em África, América Latina e Caraíbas, e apostava na transversalidade, compreendendo conferências, exposições e espetáculos. A terceira (e a que se julgava última) edição da iniciativa decorreu de 16 de junho a 1 de julho de 2011.

«Próximo Futuro», tal como o nome indica, tinha o futuro como horizonte e centrava-se numa visão multicultural, que configurava, segundo o seu programador, «um exemplo concreto da mobilidade artística e cultural e do enriquecimento cultural e social que ela permite no espaço europeu», preconizando o «direito dos artistas e dos trabalhadores da cultura dos países terceiros a aprender, estudar e apresentar as suas propostas culturais e artísticas aos cidadãos europeus e suas organizações. Certamente que esta convivência contribui para o enriquecimento do nosso imaginário. Este é um debate importante que vai ocupar os próximos anos, porque nele está implicada a sobrevivência artística, a inovação e a fruição cultural no Próximo Futuro» («Próximo Futuro traz África e América Latina à Gulbenkian», Diário de Notícias, 19 mai. 2010).

Ana Lúcia Luz, 2020