Hors Catalogue. Un Projet Gulbenkian à propos de sa Collection

Exposição coletiva coproduzida pela Maison de la Culture d’Amiens e pelo Serviço de Belas-Artes da Fundação Calouste Gulbenkian, com o apoio do Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão. Integrou várias disciplinas artísticas, desde a pintura, à escultura, incluindo o desenho, o vídeo, a fotografia, a instalação e o site-specific.
Collective exhibition organised in a collaboration between the Maison de la Culture d’Amiens and the Fine Arts Service of the Calouste Gulbenkian Foundation with support from the Modern Art Centre José de Azeredo Perdigão. The exhibition featured a variety of works, including paintings, sculptures, drawings, video art, photography, installation work and site-specific art.

Exposição coletiva coproduzida pela Maison de la Culture d'Amiens e pelo Serviço de Belas-Artes (SBA) da Fundação Calouste Gulbenkian (FCG), com o apoio do Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão (CAMJAP) e do Serviço Internacional da FCG. Teve origem numa proposta de Augusto Rodrigues da Costa, responsável pela programação de artes plásticas da Casa da Cultura de Amiens, dirigida ao SBA (Serviço de Belas-Artes). A Maison de la Culture d'Amiens (França), organismo estatal e municipal originário do projeto de descentralização artística e cultural empreendido por André Malraux e localizada a uma hora de Paris, numa zona onde existia uma importante comunidade portuguesa, punha em prática um programa empenhado na divulgação da mais recente criação artística europeia, desde a década de 1990.

Iniciados os primeiros contactos em 1994, após vários encontros entre os responsáveis das instituições francesa e portuguesa, João Fernandes, então diretor-adjunto da Casa de Serralves e comissário da primeira representação portuguesa à Bienal de Joanesburgo, em 1995, foi convidado a assumir o comissariado da exposição, definindo e estruturando uma exposição-ensaio que partiu do questionamento da ideia de coleção, num processo de constante atualização dos conceitos e das práticas inerentes (Apontamento do Serviço de Belas-Artes, 10 jul. 1996, Arquivos Gulbenkian, SBA 15530).

A exposição procurou cruzar obras de artistas portugueses consagrados – 15 artistas selecionados a partir da coleção do CAMJAP – e outros ainda «a descobrir» – 11 jovens artistas convidados, franceses e portugueses –, numa tentativa de desvendar «a vitalidade, a riqueza e a diversidade» da arte portuguesa do século XX. Desta forma, procurava-se estabelecer «um percurso através do tempo e do espaço, do cruzamento das ideias e das gerações» dos artistas em presença (Hors Catalogue. Un Projet Gulbenkian à propos de sa Collection, 1997, p. 5).

Para o diretor do SBA, Manuel Costa Cabral, o título Hors Catalogue tinha a vantagem de não necessitar de tradução noutras línguas, uma vez que integrava o «léxico tradicional das artes», facilitando o diálogo com o público (Carta de Manuel Costa Cabral para António Rodrigues da Costa, 13 out. 1995, Arquivos Gulbenkian, SBA 15530). Nesta mesma carta, Costa Cabral demonstrava o seu entusiasmo com a iniciativa, afirmando que estava «muito contente com a perspectiva de virmos a ter uma exposição realmente significativa, transgeracional e inovadora» (Ibid.).

Assinalando percursos exemplares de artistas portugueses e a sua inserção no panorama da arte internacional, a exposição estabelecia um diálogo transgeracional e transnacional criado com um primeiro grupo de artistas da coleção do CAMJAP que viria a dialogar com um outro núcleo de artistas «extracatálogo», ou seja, não representados nesta coleção, mas que amplificariam não só o conceito genérico de coleção, como a reativação, no presente, da múltipla significação e vida das obras. A ideia-chave da exposição desenvolvia-se, assim, em torno do conceito de coleção.

Na introdução do catálogo, João Fernandes explicava que Hors Catalogue (fora de catálogo), representava «o complemento indispensável para a perfeita compreensão do conjunto» (Hors Catalogue. Un Projet Gulbenkian à propos de sa Collection, 1997, p. 11).

Neste sentido, avança que «sendo um catálogo uma forma particular de indexar um conjunto ou uma colecção, a peça extra-catálogo será precisamente aquela que nos permitirá interrogar a estrutura e os códigos ideológicos dessa mesma colecção. Interrogar torna-se […] o avatar de um conhecimento acrescido.» (Ibid.)

Procurando afastar-se da intenção de representatividade do projeto colecionista do Centro de Arte Moderna – a mais completa coleção de arte portuguesa do século XX –, as escolhas do comissário procuraram ser elucidativas de algumas das principais ruturas da arte portuguesa desse século, libertando-as do estrito contexto nacional e extrapolando-as para um contexto internacional. Assim se compreende que os hiatos cronológicos entre a produção dos artistas selecionados e a coleção do CAMJAP sejam tão pronunciados.

Da obra de Amadeo de Souza-Cardoso (1887-1918), Le Prince et la Meute, datada de 1912 e apresentada no ano seguinte no Armory Show, em Nova Iorque, seguia-se para outro nome incontornável da arte internacional, Maria Helena Vieira da Silva (1908-1992), representada com Bibliothèque en Feu, uma obra dos anos de 1970. No percurso, as ruturas artísticas surgidas no final da década de 1960 são representadas pelas obras da série A História Dramática de um Ovo, de António Areal (1934-1978), na qual o artista explora ironicamente o efeito da série; ou pela investigação cromática, lumínica e espacial da pintura Precious Stones de Jorge Martins (1940); ou ainda, no campo da escultura, pela peça de Ângelo de Sousa, construída em fitas de aço entrelaçadas.

O questionamento sobre a pintura enquanto disciplina e sobre o género do autorretrato, explorado por Helena Almeida a partir da década de 1960, é também fundamental para o entendimento das ruturas e das novas problemáticas que passaram a ocupar as preocupações dos artistas portugueses; assim como o humor e o universo pop consagrados na mistura de temas, figuras, signos e palavras na pintura de Eduardo Batarda (1943); ou a aproximação a correntes internacionais como a Land Art e a exploração de processos de apropriação e transformação da natureza que interessaram a Alberto Carneiro (1937-2017); ou as experiências interdisciplinares de Ana Hatherly (1929-2015) no campo da poesia visual; ou ainda a «mitologia» e simbologia do universo plástico e semântico tão pessoal das pinturas de Álvaro Lapa (1939-2006).

A estre grupo de artistas que, em certa medida, concretizam as ruturas artísticas das décadas de 60 e 70 do século XX português, seguiam-se outros, surgidos já durante os anos 80. Nestes trabalhos destacavam-se os jogos ficcionais da pintura de Julião Sarmento (1948-2021); a reconfiguração espacial das esculturas de José Pedro Croft (1957); a elementaridade das formas das propostas de Pedro Cabrita Reis (1956); os contornos volumétricos das esculturas de ferro negro de Rui Chafes; e ainda, no âmbito da pintura, o conceptualismo da pintura de Michael Biberstein (1948-2013), que entrecruza a paisagem de inspiração oriental com planos monocromáticos negros.

O segundo momento da exposição era marcado pelas obras dos artistas convidados «a explorar a ideia de coleção para esta exposição», procurando estabelecer diálogos e alargar conceitos inerentes às obras da Coleção e estimular a interação e a continuidade das obras. Entre os artistas franceses foram convidados o coletivo Michael Dector (1951) e Michael Dupuy (1949) e o então jovem Fabrice Hyber (1961). Os restantes artistas convidados provinham de uma nova geração de artistas portugueses surgidos na década de 1990, na sua maioria com obras realizadas no próprio ano da exposição (1996), ou nos anos que a precediam: Patrícia Garrido (1963), Paulo Mendes (1966), Pedro Moitinho (1971), Fernando José Pereira (1961), Francisco Rocha (1958), Ana Yokochi (1964), Francisco Tropa (1968) e Susanne Themlitz (1968).

Na sua crítica à exposição, Leonor Nazaré sublinha a preocupação do curador de estabelecer diálogos com artistas franceses, na afirmação do princípio hors catalogue (Nazaré, Expresso, 4 jan. 1997).

É interessante notar que, no estudo preliminar para o projeto expositivo, chegou a ser considerada a hipótese de a exposição incluir uma seleção de alguns artistas representativos das décadas de 60/70 do núcleo de arte britânica da coleção do CAMJAP e de algumas gravuras de nomes marcantes das ruturas da arte internacional do século XX (Max Ernst, Man Ray e Louise Nevelson), ideia posteriormente abandonada, talvez por limitações temporais e espaciais.

Em síntese, e deixando antever a intenção de a exposição ser um campo de exploração sempre em aberto, João Fernandes definiu-a nos seguintes termos: «Esta exposição desenvolve-se como um resto de um resto de um resto... Os artistas convidados encontram-se fora da colecção Gulbenkian, os artistas representados pela Colecção Gulbenkian são uma parte restrita, identificada com as rupturas na arte portuguesa que esta colecção identifica. Haverá outra forma de apresentar a arte, a vida, um conjunto de artistas que não seja extra-catálogo?» (Hors Catalogue. Un Projet Gulbenkian à propos de sa Collection, 1996, p. 15).

No catálogo da exposição, Jorge Molder e Rui Sanches (diretor e diretor-adjunto do CAMJAP) traçam uma pequena retrospetiva da constituição da coleção do Centro, importante para a contextualização da natureza da coleção e, consequentemente, para a estruturação do projeto museológico que serve (Ibid., pp. 7-9).

A exposição foi noticiada na imprensa. François Lecocq valorizou a iniciativa, valorizando o facto de ela atenuar o desconhecimento do público francês relativamente à arte moderna e contemporânea portuguesa; contudo, na opinião do jornalista, o confronto entre «consagrados» e artistas convidados só se tocou pontualmente (Lecocq, Le Courrier, 15 jan. 1997). Para o crítico Michel Viollat, a exposição comissariada por João Fernandes questionava subtilmente a configuração cultural da arte moderna: «L'art contemporain peut alors reprendre à son compte le concept formulé par Habermas: “la nouvelle non-transparence”. C'est exactement le type de phénomène qui se passe dans cette exposition. Le triple questionnement (collection, hors collection, hors catalogue) de l'art contemporain que pose João Fernandes rejoint les préoccupations des artistes portugais par rapport à l'art international dont ils ont longtemps été exclus.» (Viollat, Le Courrier, 5 fev. 1997, p. 20)

No balanço da exposição, os responsáveis da Maison de la Culture d'Amiens explicavam os propósitos da exposição do seguinte modo: «Pour une grande partie de notre public, cette exposition a été une découverte de l'activité portugaise dans ce domaine, de sa diversité, sa richesse et sa pertinence. […] Ainsi, nous pensons que la réalisation de ce projet a donné une image très positive de l'art au Portugal, traçant les différents parcours, de l'art moderne à l'art actuel, ayant ainsi comblé la lacune qui existait à ce niveau dans notre région.» (Relatório, 17 fev. 1997, Arquivos Gulbenkian, SBA 15530)

Os organizadores franceses assinalaram ainda o êxito da iniciativa, a sua qualidade e o «alto nível» do seu comissariado, dando conta da participação alargada da comunidade estudantil de Amiens, que integrou diversas visitas à exposição e assistiu amplamente à conferência que João Fernandes proferiu em complemento à exposição. No total, foram contabilizadas 2670 visitas em mais de dois meses, uma vez que o período de abertura ao público se estendeu por mais dez dias além da data de fecho inicialmente prevista.

Filipa Coimbra, 2018


Ficha Técnica


Artistas / Participantes


Coleção Gulbenkian

Uma floresta para os teus sonhos

Alberto Carneiro (1937-2017)

Uma floresta para os teus sonhos, 1970 / Inv. 96E379

Os Criminosos e as suas Propriedades

Álvaro Lapa (1939-2006)

Os Criminosos e as suas Propriedades, 1974/75 / Inv. 75P416

Le Prince et la Meute / O Princípe e a Matilha

Amadeo de Souza-Cardoso (1887-1918)

Le Prince et la Meute / O Princípe e a Matilha, Inv. 86P153

Torah

Ana Hatherly (1929-2015)

Torah, (1973) / Inv. DP1669

S/ Título

Ângelo de Sousa (1938-2011)

S/ Título, 1968 / Inv. 91E239

A História Dramática de um Ovo - 1 (a 27)

António Areal (1934-1978)

A História Dramática de um Ovo - 1 (a 27), 1967 / Inv. 79P383

A História Dramática de um Ovo - 2

António Areal (1934-1978)

A História Dramática de um Ovo - 2, 1967 / Inv. 79P384

A História Dramática de um Ovo - 26

António Areal (1934-1978)

A História Dramática de um Ovo - 26, 1967 / Inv. 79P408

A História Dramática de um Ovo - 27

António Areal (1934-1978)

A História Dramática de um Ovo - 27, 1967 / Inv. 79P409

No chão que nem uma seta

Eduardo Batarda (1943- )

No chão que nem uma seta, 1975 / Inv. DP1340

Pintura Habitada

Helena Almeida (1934-2018)

Pintura Habitada, Inv. 80FP12

Precious Stones

Jorge Martins (1940-)

Precious Stones, 1965 / Inv. 94P338

S/ Título

José Pedro Croft (1957-)

S/ Título, 1993 / Inv. 94E340

Just a Skin Affair

Julião Sarmento (1948-2021)

Just a Skin Affair, Inv. 88P346

La bibliothèque en feu

Maria Helena Vieira da Silva (1908-1992)

La bibliothèque en feu, Inv. 79PE96

K5 (3-Step Attractor)

Michael Biberstein (1948-2013)

K5 (3-Step Attractor), 1991 / Inv. 95P353

D(OOR), D(AM)

Pedro Cabrita Reis (1956-)

D(OOR), D(AM), Inv. 94E343

Natureza Morta

Pedro Cabrita Reis (1956-)

Natureza Morta, Inv. 95E351

A Manhã VI

Rui Chafes (1966-)

A Manhã VI, Inv. 93E303

A Manhã VII

Rui Chafes (1966-)

A Manhã VII, Inv. 93E304


Publicações


Material Gráfico


Documentação


Periódicos


Fontes Arquivísticas

Arquivos Gulbenkian (Serviço de Belas-Artes), Lisboa / SBA 25164

Pasta com documentação referente à produção da exposição. Contém convite. 1996 – 1996

Arquivos Gulbenkian (Serviço de Belas-Artes), Lisboa / SBA 15530

Pasta com documentação referente à produção da exposição. Contém ofícios internos, orçamentos e despesas, seguros, correspondência recebida e expedida, recortes de imprensa, programa, correspondência com artistas, elementos para o catálogo. 1994 – 1997

Arquivos Gulbenkian (Serviço Internacional), Lisboa / INT 03700

Pasta com documentação referente à produção da exposição. Contém correspondência entre o Serviço Internacional e o Serviço de Belas-Artes da Fundação Calouste Gulbenkian, convite e atas e pagamentos entre serviços. 1996 – 1996


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