Vidas Imaginárias. Patrick Corillon, Jan Fabre, Emilia e Ilya Kabakov, Susanne Themlitz

Exposição coletiva que reúne trabalhos de três artistas e de uma dupla de artistas, de nacionalidades diferentes, que possuem em comum um particular interesse por construir ficções e criar personagens através das artes visuais. A mostra contou com o comissariado de Jorge Molder.
Collective exhibition of works by three artists and an artist duo who had different nationalities but a shared interest in creating fiction and characters through their visual art. The show was curated by Jorge Molder.

Exposição coletiva que reúne trabalhos de três artistas e de uma dupla de artistas, de nacionalidades diferentes, que possuem em comum um particular interesse por construir ficções e criar personagens através das artes visuais, muitas vezes cruzadas com influências literárias ou cinematográficas.

Como o seu título sugere, esta mostra, comissariada por Jorge Molder, tem na sua génese a obra literária Vidas Imaginárias, de Marcel Schwob. Molder começa a delineá-la a partir da constatação de que é possível encontrar nas declarações sobre o papel do biógrafo proferidas por Schwob uma série de relações com algumas questões que têm ocupado os artistas ao longo dos tempos. Apesar de o curador não discriminar tais questões, estas estão certamente relacionadas, como sugere a passagem citada, com a originalidade, a subjetividade, a escolha, os limites da representação e da ficção, entre outras.

A cada um dos universos ficcionais criados é atribuído um espaço. Para tal a Galeria de Exposições Temporárias da Sede da Fundação Calouste Gulbenkian (piso 0) é dividida em diferentes espaços, que se sucedem uns aos outros. Esta arquitetura dentro da arquitetura é constituída por um corredor, no qual o visitante tem de se aventurar para aceder aos diferentes espaços, anunciados à entrada com o nome do artista representado: Patrick Corillon (1959), Jan Fabre (1958), Ilya e Emilia Kabakov (1933; 1945) e Susanne Themlitz (1968). Na maioria dos casos, à exceção da dupla ucraniana, as peças apresentadas foram concebidas propositadamente para esta exposição e produzidas com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian.

Patrick Corillon apresenta a instalação Sur le Tage (2004), o projeto do barco ideal construído por Carlos Icator, personagem por ele criado. Junto da instalação, é apresentado um painel de texto disposto na horizontal, lembrando as soluções expositivas usadas nos museus de etnologia ou arqueologia. O texto, em forma de narrativa, relata a história de Icator, que termina tragicamente: «[…] ao entrar no mar Icator naufragou. Logo antes de ir ao fundo, lançou instintivamente um último olhar ao céu, para se certificar de que uma degradação não surgia bruscamente na abóbada celeste.» (Vidas Imaginárias, 2004, p. 9) O seu final, um tanto enigmático, deixa na dúvida o visitante sobre a natureza do objeto ali apresentado: reproduzirá ele a construção de Icator, ou a sua última visão?

Jan Fabre é representado pela série de desenhos Je suis sang (2002) e pelo filme Lancelot (2004). Em ambos os trabalhos, a ideia de combate está subjacente, partilhando alguns elementos metafóricos, dos quais se destaca a armadura. Ao espaço iluminado onde são apresentados os desenhos segue-se um espaço na penumbra onde é apresentado o filme. O texto escrito é um elemento fortemente dominante nos desenhos, enquanto no filme a fala é inexistente. Do mesmo modo, o sangue, que serve como material para os desenhos, está ausente no combate/performance protagonizado por Fabre. Os sons dos movimentos do guerreiro, a sua respiração e o estrondo de cada queda possuem uma definição tal que se tornam perturbadores, quase com a capacidade de transferir para o espectador as sensações de dor e cansaço vividas naquela luta solitária. A personagem de Lancelot (2004) pode ser vista como alter ego do artista, representando o combate a sua luta interna.

A dupla Ilya e Emilia Kabakov cria um artista fictício, executante das chamadas «pinturas de palanque». Através desta espécie de caricatura, composta pelas pinturas e um texto que as acompanha, os artistas apresentam uma crítica ao modo como o poder político soviético fazia uso da arte e como esta era desvirtuada.

O mundo mágico de Susanne Themlitz, ou um fragmento dele, ocupa outro dos espaços. Este é um mundo dominado pela natureza e habitado por figuras fantásticas. O título desta instalação é inspirado no livro O Barão Trepador, de Italo Calvino, e em particular na menina do baloiço. Uma série de estruturas e mecanismos aparentemente improvisados compõem a instalação. Lembram construções artesanais para auxiliar nas plantações e armazenamento de culturas. Ao entrar o espectador fica com a impressão de que está a invadir o espaço privado de alguém que se encontra momentaneamente ausente. A uma primeira sensação de desconforto, segue-se uma enorme curiosidade motivada por aquele ambiente fascinante. Themlitz desafia assim o público a imaginar quem será aquela personagem enigmática, desconhecida, ou melhor apenas conhecida pelos vestígios da sua atividade, que parece próxima da de jardineiro ou de cientista da natureza.

Esta mostra teve bastante impacto na imprensa, tendo sido objeto de inúmeros artigos. Alexandre Pomar é quem mais elogia esta exposição, que classifica como «uma das mais interessantes exposições do ano […], um projecto conceptualmente definido», que revela «passos decisivos de uma reabertura dos espaços das artes visuais» (Pomar, Expresso, 24 dez. 2004, p. 25). Também Nuno Crespo dedica um texto a esta exposição, na qual, a seu ver, «as capacidades da imaginação, enquanto instância formadora de sentido, são levadas a um limite plástico e conceptual» (Crespo, Público, 11 dez. 2004, p. 18).

Esta exposição foi acompanhada por um pequeno mas significativo catálogo, com textos que assistem às obras.

Na sequência desta mostra foi incorporada na coleção do Centro de Arte Moderna o filme Lancelot (2004), a primeira cópia de uma edição de cinco, resultado de uma coprodução do Royal Museum for Fine Arts (Antuérpia), Angelos bvba/Jan Fabre (Antuérpia) e da Fundação Calouste Gulbenkian/Centro de Arte Moderna.

Mariana Roquette Teixeira, 2019


Ficha Técnica


Artistas / Participantes


Coleção Gulbenkian

Lancelot

Jan Fabre (1958-)

Lancelot, 2004 / Inv. IM23

Lancelot

Jan Fabre (1958-)

Lancelot, 2004 / Inv. IM23


Eventos Paralelos

Visita(s) guiada(s)

Vidas Imaginárias

nov 2004 – dez 2004
Fundação Calouste Gulbenkian / Edifício Sede
Lisboa, Portugal

Publicações


Fotografias

João Castel-Branco Pereira (à esq.) e Leonor Nazaré (à dir.)
Emílio Rui Vilar e Jorge Molder (à dir.)
Isabel Alçada (à dir.)
Emílio Rui Vilar (à esq.) e Manuel Costa Cabral (atrás, à dir.)
Helena de Freitas (à dir.)

Documentação


Periódicos


Fontes Arquivísticas

Arquivos Gulbenkian (Centro de Arte Moderna), Lisboa / CAM 00482

Pasta com documentação referente à produção da exposição. Contém correspondência, pedidos de empréstimo, apólices de seguro, material para o catálogo. 2003 – 2005

Arquivos Gulbenkian (Centro de Arte Moderna), Lisboa / CAM 00483

Pasta com documentação referente à produção da exposição. Contém correspondência, orçamentos para catálogo e convites, projeto de instalação de Patrick Corillon e instruções de desmontagem, apólices de seguro. 2003 – 2005

Arquivo Digital Gulbenkian, Lisboa / ID: 114952

Coleção fotográfica, cor: aspetos (FCG, Lisboa) 2004

Arquivo Digital Gulbenkian, Lisboa / ID: 121085

Coleção fotográfica, cor: inauguração (FCG, Lisboa) 2004


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