Ilya Kabakov. Incidente no Museu, ou Música Aquática

Encontros ACARTE 95

Exposição-instalação do artista russo-americano Ilya Kabakov (1933), envolta em ficção histórica e em que artes visuais e performativas se «totalizam» num ambiente imersivo. Vladimir Tarasov (1947) assina a componente sonora desta encenação integrada nos Encontros ACARTE 95.
Installation-exhibition by Russian-American artist Ilya Kabakov (1933) involving historical fiction and the visual and performing arts in an immersive environment with audio effects designed by Vladimir Terasov (1947). The show was included in the Calouste Gulbenkian Foundation’s Encontros ACARTE 95.

Incidente no Museu, ou Música Aquática é uma instalação da autoria do artista russo-americano Ilya Kabakov (1933) que denota a enfâse multidisciplinar do seu trabalho. À semelhança de tantas outras obras do autor, a componente arquitetónica e cenográfica é crucial. Neste caso, o dispositivo simula as salas de um museu de perfil oitocentista ou académico. Nelas decorre uma exposição de um pintor russo, Stepan Yakovlevich Koshelev – personagem fictícia criada por Kabakov para transportar uma metaforização crítica da história da pintura soviética na primeira metade do século XX. Koshelev é imaginado como alguém que vive a Revolução de Outubro e que, depois dela, se enquadra como artista oficial do novo regime, acabando por consagrar-se como professor na Faculdade de Escultura e Arquitetura de Moscovo. Aí batizaria os seus alunos numa tendência artística própria, o «sintetismo». Baseava-se numa fusão entre princípios cezzanianos – de cuja obra Koshelev era apaixonado – com os ideais do realismo soviético, não deixando de considerar algumas das vanguardas históricas do século XX, como o Fauvisme ou o Expressionismo alemão. Cartazes e publicações fictícias vão suportando este enredo com que Kabakov voltaria a abrir frestas para uma especulação histórica sobre esse ente – sempre tão misterioso quanto colossal – que foi a União Soviética e a sua política cultural. Essa especulação absorve também a parte da peça que lhe justifica o título.

É que, na ficção que a instalação encena, algo de inesperado ocorre no dia da inauguração desta mostra de Koshelev: pinga imensa água do teto das salas de exposição e os 14 óleos sobre tela deste mestre-russo imaginário (pintados por Kabakov, naturalmente) aparentam estar em risco no meio desta singela catástrofe «diluviana». É uma situação de rutura, que o suposto staff deste museu contornou com baldes, mangas plásticas e outros materiais que improvisam soluções para a retenção da água. Impera o som da água a cair e a bater nos metais e nos plásticos. Esses ritmos e arritmias têm a sua própria musicalidade, aqui orquestrada por Vladimir Tarasov (1947) – compositor que colaborou com Kabakov nesta e noutras peças. O público é convidado a penetrar neste ambiente e a imiscuir-se nele, interpretando a ficção histórica que ele convoca e participando nas realidades insólitas que se intrometem visualmente e em forma de ruído, condicionando todas as potenciais mensagens que a instalação evoca.

Incidente no Museu, ou Música Aquática foi exposta pela primeira vez na galeria Ronald Feldman Fine Arts de Nova Iorque, em 1992. Após o fecho dessa primeira apresentação, a obra entrou em digressão. Seguiu primeiramente para o Museum of Contemporary Art (MCA) de Chicago em 1993, abandonando os Estados Unidos da América no final desse ano para vir até à Europa, onde se estreia, já em 1994, no Hessisches Landesmuseum, em Darmstadt, Alemanha. Transita depois para sul, apresentando-se na Fundació Antoni Tàpies, em Barcelona, e, finalmente, na Fundação Calouste Gulbenkian (FCG), em Lisboa – ambas as ocasiões já em 1995.

Na FCG, a inauguração dá-se a 31 de agosto na Sala de Exposições Temporárias do Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão (CAMJAP), entidade que produziu esta versão da exposição em Lisboa e coordenou a sua integração na edição de 1995 dos Encontros ACARTE.

Decorrendo de uma proposta de Manuel Borja-Villel, então diretor do Museu da Fundació Antoni Tàpies, a produção da instalação arrancou após uma viagem a Barcelona de Cristina Sena da Fonseca, arquiteta da FCG, para sondar os requisitos de montagem da instalação e aferir a possibilidade da sua apresentação no CAMJAP. Inicia-se então a parceria entre as duas fundações e os artistas Emilia e Ilya Kabakov, que viajariam ambos até Lisboa, juntamente com Tarasov, para assistir na montagem da peça e estar presentes na inauguração. A epistolografia conservada nos Arquivos Gulbenkian guarda diversos planos de montagem anotados e enviadas pelos Kabakov (Arquivos Gulbenkian, CAM 00458).

Em 1995, o casal Kabakov começava a atingir o pico de consagração internacional que hoje lhe conhecemos. Simultaneamente a esta individual na FCG, estaria patente uma importante exposição de Ilya no Centre Georges Pompidou em Paris. A Gulbenkian encomendou inclusivamente o catálogo publicado nessa ocasião (Ilya Kabakov. Installations 1983-1995, 1995) para complementar as edições específicas associadas à mostra. Outra publicação adquirida com esse fim foi Ilya Kabakov. On The "Total" Installation (1995) – importante compilação de textos e materiais gráficos na base de 15 conferências proferidas pelo artista em torno do conceito de instalação «total», bem patente na peça que a Gulbenkian agora apresentava. Estas publicações juntavam-se assim à edição bibliográfica de dois volumes, com a chancela do MCA de Chicago, que acompanha especificamente Incidente no Museu, ou Música Aquática (Incidente at the Museum, or Water Music + Stepan Yakoklevich Koshelev, 1993). Em edição bilingue (cirílico russo e inglês), disponibilizada em Lisboa, alimenta a ficção ao mesmo tempo que a desfaz. Inclui uma conversa entre Ilya Kabakov e J. Bakštein, da qual os Arquivos Gulbenkian guardam uma tradução portuguesa, bem como da apresentação do conceito da peça, também integrada no catálogo vindo de Chicago. As versões traduzidas terão sido provavelmente distribuídas como folhas de sala (Arquivos Gulbenkian, CAM 00458).

A resposta da comunicação social portuguesa a esta exposição de Kabakov incluiu um excerto televisivo que integrou o episódio de 5 de outubro de 1995 da série Ver Artes, transmitida pela RTP, e em que o escultor Rui Sanches, então diretor-adjunto do CAMJAP, surge a explicitar alguns aspetos sobre a mostra. O mesmo episódio acompanharia ainda o crítico Alexandre Melo, que assina a conceção deste programa televisivo, até ao ateliê de Michael Biberstein (1948-2013), momento em que foi referida a mostra «A Difícil Travessia dos Alpes», igualmente no CAMJAP.

Na imprensa escrita, destaca-se a entrevista de José Sousa Machado e Carlos Vidal a Ilya Kabakov, publicada na revista Artes & Leilões (Vidal, Artes & Leilões, n.º 33, out. 1995, pp. 10-16). Vidal publicaria ainda um outro artigo para a revista espanhola Lapiz (Vidal, Lapiz, n.º 117, dez. 1995, pp. 60-65).

Daniel Peres, 2019

Incidente no Museu, ou Música Aquática (Incident at The Museum, or Water Music) is an installation by Russian-American artist Ilya Kabakov (1933), typical of the multidisciplinary nature of his work.  Like so many pieces by the artist, architecture and mise en scene are key. In this specific work, the installation replicates the rooms of a respectable 19th century museum. They contain an exhibition by a Russian painter named Stepan Yakovlevich Koshelev – a fictional character created by Kabakov as a critical metaphor for Soviet painting in the first half of the 20th century. Koshelev is imagined as someone who lived through the October Revolution and, in its aftermath, reinvents himself as an official artist of the new regime, achieving a post as a professor in Moscow School of Sculpture and Architecture. There, he would introduce his students to his own art movement “Synthesism”. This blended the principles of Cézanne – Koshelev greatly admired work – with the ideals of Soviet Realism, while also encompassing other 20th century avant-garde trends, such as Fauvism and German Expressionism. Fictional posters and publications support this scenario, which Kabakov uses to create a space for historical speculation on the mysterious and vast entity that was the Soviet Union, and its political culture. This speculation also extends to the incident that gives the piece its title.

Within the fictional surroundings of the installation, something unexpected happens on the opening day of the Koshelev exhibition. Water starts streaming down from the ceiling of the exhibition rooms and the 14 oil paintings by the imaginary Russian master (painted by Kabakov, naturally) are seemingly endangered by this catastrophic “deluge”. At this turning point, the supposed “staff” of the museum respond with buckets, plastic hoses and other materials, improvising solutions to hold back the waters. The sound of water falling and hitting metal and plastic fills the space. These rhythmic and arrhythmic noises have their own musicality, orchestrated here by Vladimir Tarasov (1947) – a composer who worked with Kabakov on this and other pieces. The public is invited to enter and intervene in this environment, interpreting the historical fiction it evokes and participating in the unexpected and immersive visual and sonic experience that conditions all potential messages the installation may convey.

Incidente no Museu, ou Música Aquática (Incident at The Museum, or Water Music) was first shown in the Ronald Feldman Fine Arts Gallery in New York in 1992. After the closure of this first showing, the work went on tour. It made its second stop at the Museum of Contemporary Art (MCA) in Chicago in 1993, before leaving the United States for Europe at the end of the year, where it debuted, in 1994, in the Hessisches Landesmuseum in Darmstadt, Germany. It then travelled south, showing at Fundació Antoni Tàpies in Barcelona and, finally, at the Calouste Gulbenkian Foundation (FCG), in Lisbon – both of these events in 1995.

At the FCG, the opening took place on 31 August, at the Temporary Exhibition Gallery of the Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão [José de Azeredo Perdigão Modern Art Centre] (CAMJAP), the institution that produced this version of the exhibition in Lisbon and oversaw its inclusion in the 1995 edition of cultural event Encontros ACARTE.

Following an invitation by Manuel Borja-Villel, then director of the Fundació Antoni Tàpies Museum, FCG architect Cristina Sena da Fonseca travelled to Barcelona prior to the production and hanging of the exhibition to ascertain the installation requirements and assess the feasibility of staging it in the CAMJAP. This marked the beginning of the cooperation between the two foundations and the artists Emilia and Ilya Kabakov, who both travelled to Lisbon, together with composer Tarasov, to assist with the assembly of the piece and attend the opening. Letters held by the Gulbenkian Archives contain various assembly plans annotated and sent by Kabakov (Gulbenkian Archives, CAM 00458).

In 1995, the Kabakovs began to reach the heights of international recognition they enjoy today. At the same time as this solo exhibition at the FCG, another major exhibition by Ilya was on show at the Centre Georges Pompidou in Paris. The Gulbenkian ordered copies of the catalogue (Ilya Kabakov. Installations 1983-1995, 1995) to complement the volumes published specifically to mark the exhibition.  Another publication acquired for the same purpose was Ilya Kabakov. On The "Total" Installation (1995) – a major anthology of texts and graphic materials based on 15 lectures delivered by the artist on the concept of the “total” installation, clearly reflected in the work showing at the Gulbenkian at the time. These publications were joined by a two-volume bibliography published by the MCA of Chicago, specifically to accompany Incidente no Museu, ou Música Aquática (Incident at the Museum, or Water Music + Stepan Yakovlevich Koshelev, 1993). This bilingual publication (in Russian Cyrillic and English), made available in Lisbon, fed into the fiction while simultaneously unravelling it. It includes a conversation between Ilya Kabakov and J. Bakštein, a Portuguese translation of which is held by the Gulbenkian Archives, as well as an introduction to the concept behind the piece, which also appears in the catalogue from Chicago. The translated versions were probably available on paper in the exhibition rooms (Gulbenkian Archives, CAM 00458).

Coverage of this Kabakov exhibition in the Portuguese media includes a TV feature that appeared on the 5 October 1995 episode of the series Ver Artes on state broadcaster RTP, in which sculptor Rui Sanches, then deputy-director of the CAMJAP, provides a brief introduction to the exhibition. The same episode also followed critic Alexandre Melo, responsible for the show’s concept, as he visited the workshop of Michael Biberstein (1948-2013) to talk about the exhibition “A Difícil Travessia dos Alpes” (“The Difficult Crossing of the Alps”) also on display at the CAMJAP.

The highlight of coverage in the written press was an interview with Ilya Kabakov by José Sousa Machado and Carlos Vidal, which appeared in the magazine Artes & Leilões (Vidal, Artes & Leilões, n.º 33, Oct 1995, pp. 10-16). Vidal also published another article for Spanish magazine Lapiz (Vidal, Lapiz, n.º 117, Dec 1995, pp. 60-65).


Ficha Técnica


Artistas / Participantes


Eventos Paralelos

Programa cultural

Encontros ACARTE 95

ago 1995 – out 1995
Fundação Calouste Gulbenkian
Lisboa, Portugal

Publicações


Fotografias

Ilya Kabakov (centro)
Ilya Kabakov (centro)

Multimédia


Documentação


Periódicos


Páginas Web


Fontes Arquivísticas

Arquivos Gulbenkian (Centro de Arte Moderna), Lisboa / CAM 00458

Pasta com documentação referente à produção da exposição. Contém correspondência interna e externa; desenhos técnicos do espaço expositivo, com estudos de montagem da instalação. 1994 – 1996

Arquivo Digital Gulbenkian, Lisboa / ID: 115784

Coleção fotográfica, cor: aspetos (FCG-CAMJAP, Lisboa) 1995

Arquivo Digital Gulbenkian, Lisboa / ID: 134456

Coleção fotográfica, cor: inauguração (FCG-CAMJAP, Lisboa) 1995


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