Arte Efémera em Portugal

E exposição centrou-se na expressão estética de importantes efemérides ocorridas entre o século XVI e a primeira década do século XX em contexto português. Decorreu de uma vasta parceria com entidades portuguesas e estrangeiras, sendo descrita como a primeira grande exposição nacional dedicada a esta temática.
Ephemeral Art in Portugal centred on the aesthetic expression of significant ephemerides which took place in Portugal between the 16th century and the first decade of the 20th century. The show was the result of an extensive collaboration between Portuguese and foreign partners and was described as the first large national exhibition on this theme.

A exposição «Arte Efémera em Portugal» abordou manifestações artísticas surgidas no âmbito de acontecimentos culturais, políticos, religiosos e militares ocorridos entre os séculos XVI e XX. A investigação balizou-se entre o reinado de D. Manuel I e a subida ao trono de D. Manuel II, na antecâmara da Primeira República. Deu a ver como as expressões classificáveis como arte efémera, na sua heterogeneidade, representam um expoente estético e simbólico do curso da História, contribuindo de forma especialmente evidente para a sintomatologia das conjunturas sociais e económicas que por ele versaram. Pensar as efemérides dos últimos quatro séculos do regime monárquico português é, com efeito, refletir sobre as flutuações dos ideais que marcaram a vida pública ao longo desse colossal período histórico.

A mostra inaugurou a 12 de outubro de 2000 na Galeria de Exposições Temporárias do Museu Calouste Gulbenkian (MCG), ficando patente ao público entre 13 de dezembro de 2000 e 25 de fevereiro de 2001. João Castel-Branco Pereira encarregou-se da coordenação científica do projeto, em parceria com a historiadora de arte Ana Paula Rebelo Correia. O design do espaço expositivo foi assinado por Carlos Pietra Torres e Carina Seelig Barreto, do ateliê Intertraço. Os Arquivos Gulbenkian guardam planos arquitetónicos desse dispositivo museológico (Arquivos Gulbenkian, MCG 03096). Em conjunto com os registos fotográficos, esses desenhos técnicos compreendem as estratégias adotadas para a apresentação das mais de 150 peças reunidas.

Acolhendo essa amostra significativa, a exposição propôs-se sistematizar uma tradição artística extremamente multiforme, materializada em arquiteturas temporárias, carros alegóricos com as mais diversas decorações, cenografias teatrais, trajos e inúmeros aparatos de uma panóplia que passa, inclusivamente, por estruturas de lançamento de fogos de artifício e outras pirotecnias. Os eventos que estas expressões integraram passam pelo contexto doméstico português, mas também, sobremaneira, pela sua intercalação com a moldura internacional. Vão das festas populares às receções com honrarias de estado, das feiras das mais diversas índoles (das nacionais às internacionais) até às paradas militares, das ocasiões bélicas aos rituais fúnebres – solenidades mortuárias que têm na própria ideia do efémero (da efemeridade da própria vida) um apogeu simbólico.

Naturalmente que a natureza esporádica ou sazonal das expressões em estudo implicou que o acervo exposto se concentrasse em objetos que transportam uma memória diferida dos acontecimentos e das suas diligências. Como ficou salientado na mostra, esse remanescente cristaliza-se nos mais diversos formatos – desde os mais documentais aos objetos sobrantes de algumas das ocasiões tratadas. Expuseram-se, por exemplo, paramentos e celas equestres a usar nas solenidades, trombetas da charamela real, entre outros artefactos e utensílios que funcionaram, digamos, como fragmentos do vivido. Todavia, a maioria das peças incluídas consistiu, naturalmente, em registos visuais e textuais das efemérides e das suas vicissitudes. Esse universo, também ele extremamente eclético, vai desde desenhos preparatórios para arquiteturas e monumentos, até citações – visuais ou escritas – que representam, descrevem, narram ou efabulam os acontecimentos e os seus aspetos materiais.

É nesse exercício de memorabilia que as efemérides são homenageadas, quer em jeito de anúncio, quer como dignificação histórica de algo passado, figurando, ora como elementos centrais, ora por aparição mais fortuita, em pinturas, iluminuras, desenhos, gravuras, e até na azulejaria – arte da qual se expuseram reproduções fotográficas de alguns painéis. A partir da segunda metade do século XIX, também a fotografia começa a marcar presença na construção dessa imagética.

Há um interessante jogo de camadas que esses registos encerram, pois a documentação de um objeto de arte efémera consiste muitas vezes numa obra de arte que faz a apologia de outras obras de arte. Por conseguinte, é frequente que um gravador trabalhe a partir de um desenho de outro desenhador que, por sua vez, representa um edifício ou monumento que soma ao traço do arquiteto decorações concebidas por escultores e pintores. A exposição contemplava, por isso, obras e autores que apenas se descobrem nas citações das obras expostas.

O terreno bibliográfico representa óbvia relevância para a conservação e transmissão de todo este caudal histórico e iconológico – quer de um ponto de vista mais noticioso, quer em perspetivas mais líricas. Evidentemente que os livros se multiplicaram ao longo da mostra. Foram também o campo que estabeleceu um dos principais elos entre a temática abordada e a coleção da Fundação Calouste Gulbenkian (FCG). Entre os muitos volumes expostos, incluíram-se três espécimes da vasta biblioteca que Calouste Gulbenkian colecionou em vida. São eles: Le Sacré de Louis XV, Roy de France et de Navarre dans l'Église de Reims, Le Dimanche XXV Octobre MDCCXXII [1731] (Inv. LA115); Représentation des fêtes données par la Ville de Strasbourg pour la Convalescence du Roi, à l'arrivée et pendant le séjour de Sa Majesté en cette Ville. Inventé, dessiné et dirigé par J. M. Weiss, Graveur de la Ville de Strasbourg [1745] (Inv. LA203); Fêtes publiques données par la Ville de Paris à l'occasion du Mariage de Monseigneur le Dauphin, les 23 et 26 février 1745, [1751] (Inv. LA48). Tanto na introdução ao catálogo de exposição, como no texto de divulgação que dela deriva, João Castel-Branco, então diretor do MCG, foca estas publicações esclarecendo que elas foram de facto mostradas, extracatálogo (Pereira, «Introdução», Arte Efémera em Portugal, 2000); [Texto de divulgação], Arquivos Gulbenkian, MCG 03100).

A exposição conjugou as referências diretas a momentos específicos de arte efémera com outras obras mais laterais, capazes de contextualizar o espírito dos diversos períodos em análise. Destaque também para a adoção de estratégias de deliberado anacronismo, como a inclusão da pintura Procession Corpus Christi (1913) (Inv. 86P34), de Amadeo de Souza-Cardozo. Constou num dos núcleos da mostra em que, vinda de um outro tempo, se juntava a cartografias e editais da segunda metade do século XVIII, referentes às procissões do Corpo de Deus.

Com tão denso objeto de estudo, «Arte Efémera em Portugal» delineou-se, assim, como um projeto ambicioso em que o MCG se articulou com imensas entidades nacionais e estrangeiras. Muitas cederam obras, outras concederam materiais fotográficos e respetivos direitos para que as imagens pudessem ser ora expostas, ora impressas no catálogo de exposição.

De grande pertinência na bibliografia especializada, essa publicação da FCG responde a exigências de aprofundamento que terão sido, em parte, motivadas pela parca literatura historiográfica sobre o tema em Portugal. Dedica uma entrada específica a cada uma das 158 peças catalogadas, secções essas que incluem, todas elas, um texto redigido por historiadores de arte de referência no contexto português, como Dagoberto Markl, António Filipe Pimentel ou Joana Cunha Leal. Os dois últimos estão ainda entre os doze autores que contribuíram com ensaios para a publicação. Na introdução, João Castel-Branco adianta um ponto que colherá seguramente algum consenso entre esses colaboradores: a consciência prévia do caráter efémero de muitas das criações abordadas nesta exposição foi motor de explorações mais arriscadas, quer no desenvolvimento de tecnologias inovadoras, quer ao nível das propostas estéticas que alguns destes projetos apresentam.

Em virtude da requalificação do espaço da exposição permanente do MCG, a entrada para esta exposição temporária foi feita pelo Edifício Sede da FCG, conforme informa o convite para a inauguração (Arquivos Gulbenkian, MCG03100).

A documentação arquivada conserva contagens manuscritas que apontam para uma afluência total de 7711 visitantes durante os cerca de dois meses e meio em que a mostra esteve patente ao público (Ibid.).

O Serviço Educativo do MCG assegurou uma programação regular de visitas orientadas à exposição, além de ter contribuído com a produção de textos de apoio (Arte Efémera em Portugal, 2000).

Daniel Peres, 2019


Ficha Técnica


Artistas / Participantes


Coleção Gulbenkian

Procissão Corpus Christi

Amadeo de Souza-Cardoso (1887-1918)

Procissão Corpus Christi, Inv. 86P34

Fêtes publiques données par la Ville de Paris à l'occasion du Mariage de Monseigneur le Dauphin, les 23 et 26 février 1745.

Jean-François Blondel (1683-1756)

Fêtes publiques données par la Ville de Paris à l'occasion du Mariage de Monseigneur le Dauphin, les 23 et 26 février 1745., [1751] / Inv. LA48

Représentation des fêtes  données par la Ville de Strasbourg pour la convalescence du Roi, à l'arrivée et pendant le séjour de Sa Majesté en cette Ville. Inventé, dessiné et dirigé par J. M. Weiss, Graveur de la Ville de Strasbourg

Johann Martin Weiss (1711-1751)

Représentation des fêtes données par la Ville de Strasbourg pour la convalescence du Roi, à l'arrivée et pendant le séjour de Sa Majesté en cette Ville. Inventé, dessiné et dirigé par J. M. Weiss, Graveur de la Ville de Strasbourg, s. d. [1745] / Inv. LA203

Le Sacre de Louis XV, Roy de France et de Navarre dans l'Église de Reims, Le Dimanche XXV Octobre MDCCXXII

Pierre Dulin (1669-1748)

Le Sacre de Louis XV, Roy de France et de Navarre dans l'Église de Reims, Le Dimanche XXV Octobre MDCCXXII, [1731] / Inv. LA115


Publicações


Material Gráfico


Fotografias

João Castel-Branco Pereira, Pedro Tamen, Emílio Rui Vilar e Roberto Gulbenkian (da esq. para a dir.)
Roberto Gulbenkian (à esq.), Isabel Silveira Godinho (ao centro), João Castel-Branco Pereira (à dir.) e Jorge Molder (atrás)
Roberto Gulbenkian (à esq.), Pedro Tamen (ao centro, à dir.) e Emílio Rui Vilar (à dir.)
Paulo Henriques (à dir.)
Nuno Vassallo e Silva e Isabel Mota
Ana Paula Rebelo Correia (à esq.) e João Carvalho Dias (à dir.)

Documentação


Periódicos


Fontes Arquivísticas

Arquivos Gulbenkian (Museu Calouste Gulbenkian), Lisboa / MCG 03096

Pasta com documentação referente à produção da exposição. Contém desenhos técnicos do espaço museológico elaborados pela empresa Intertraço – Interiores e Decoração, correspondência interna e externa. 2000 – 2001

Arquivos Gulbenkian (Museu Calouste Gulbenkian), Lisboa / MCG 03100

Pasta com documentação referente à produção da exposição. Contém correspondência com colaboradores, seguradoras, transportadoras e parceiros institucionais; convite; cartaz; recortes de imprensa; fotocópia de folha de sala; registo de visitantes; orçamentos. 1999 – 2001

Arquivos Gulbenkian (Museu Calouste Gulbenkian), Lisboa / MCG 03098

Pasta de arquivo com documentação referente à exposição Arte Efémera em Portugal. Contém maioritariamente contactos com entidades emprestadoras, portuguesas e estrangeiras, nomeadamente, todas as que recusaram empréstimos solicitados, bem como algumas instituições estrangeiras que os concederam. Contempla informações sobre seguro referente à obra proveniente da Bibliothéque Royal Albert 1er de Bruxelas, Bélgica. 2000 – 2001

Arquivos Gulbenkian (Museu Calouste Gulbenkian), Lisboa / MCG 03603

Pasta com documento que recebeu a designação «Arte Efémera: 1.º Guião». Consiste numa base de trabalho para a montagem da exposição «Arte Efémera em Portugal» e para a realização do respetivo catálogo, do qual este documento apresenta vários elementos. 2000 – 2000

Arquivos Gulbenkian (Museu Calouste Gulbenkian), Lisboa / MCG 03099

Pasta de arquivo especialmente dedicada à produção do catálogo da mostra «Arte Efémera em Portugal». Contém correspondência trocada com diversos colaboradores e entidades, nomeadamente: autores dos artigos publicados; autores dos textos das entradas de catálogo; instituições que cederam reproduções fotográficas a publicar na edição. Contempla registo contabilísticos referentes aos serviços prestados. 2000 – 2001


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