José Luís Neto. Continuum

Exposição individual do fotógrafo português José Luís Neto (1966), que apresentou pela primeira vez ao público a série Continuum (2005). Realizado com o apoio do Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão, esse trabalho prosseguiu as inquirições do autor à ontologia do medium fotográfico.
Solo exhibition on Portuguese photographer José Luís Neto (1966) presenting the series Continuum (2005) for the first time. Held with support from the Modern Art Centre José de Azeredo Perdigão, the work followed the artist’s examination of the ontology of photography as a medium.

No final de 2005, o Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão (CAMJAP) programou uma exposição inteiramente dedicada à série Continuum, de José Luís Neto (1966). Então ainda inédito, esse projeto fotográfico fora concluído no decurso desse ano, com o apoio da própria Fundação Calouste Gulbenkian (FCG). Tinha agora a sua estreia pública na Galeria de Exposições Temporárias do CAMJAP (atual Espaço Projeto). Inaugurou a 27 de outubro de 2005, ficando patente até 1 de janeiro de 2006.

Continuum é um trabalho composto por nove peças longitudinais, todas com 25 cm de altura e comprimentos que variam entre 243,5 cm e uns expressivos 1220,8 cm. Apresentam-se sob a forma de longas bandas horizontais, em que fluxos de linhas verticais e outras formas sintéticas compõem uma espécie de pauta minimalista, afirmando potencialidades puramente rítmicas para a imagem fotográfica. Essa métrica mecanizada pode ir dos contrastes absolutos do preto-e-branco às lentas gradações de cinza, sempre certificando que se dá a ver algo do domínio da fotografia ela mesma, nada mais.

No catálogo de exposição, Ricardo Nicolau explana como a exploração dessa «opacidade» do medium transforma cada uma destas imagens numa «espécie de elemento escultórico (um objecto-imagem)». Perante elas, «somos forçados a olhar para as fotografias, e não através delas», sendo que «é o próprio olhar, e as condições da nossa experiência perceptiva, que devemos reconhecer, e nunca um determinado objecto» (Nicolau, Continuum, p. 9).

Não obstante, o mesmo texto desvela que, apesar de não-representativas, estas fotografias partiram da captação de um objeto muito específico: uma simples folha em branco. Trata-se de um referente várias vezes explorado por José Luís Neto, consciente do role de simbologias que imediatamente se lhe associam. Em especial, as que o mitificam como lugar primordial da criação artística, aquele suposto nada que já é a inalienável condição de possibilidade para tudo o que lhe está em potência. O artista fotografou e refotografou essa superfície branca munindo-se de aparelhos tecnologicamente alterados por si. Nomeadamente, «assistiu» a câmara com motores que permitem enrolar a película, a diferentes velocidades, durante a obturação. A folha permanece estática e é o próprio negativo que se move durante a exposição à luz. Simultaneamente, a operação com o diafragma e outras modelações vão alimentando este exercício de imponderabilidades mecânicas. Cada fita de película assim sensibilizada é depois ampliada sob a forma destas enormes tiras fotográficas, instaladas à altura do olhar do observador.

Há uma evidente vocação cinemática na aparente fixidez destas imagens de José Luís Neto. Ela começa com o fotógrafo a alterar a câmara induzindo movimento ao suporte – elemento processual que, à semelhança de outros trabalhos do autor, passa aqui para primeiro plano e é o fator mais crucial para a imagética que se concretiza plasticamente. O cinetismo da captação cristaliza-se em fluxo gráfico, culminando finalmente no cinetismo que o espectador põe em marcha no espaço expositivo. Os aspetos de sala guardados nos Arquivos Gulbenkian permitem perceber como as peças se alongam na parede convidando a um visionamento espacializado, locomotivo. Impelem à deslocação na galeria, a andar ao longo da parede, espécie de performance espontânea do corpo na perceção da continuidade destes objetos visuais.

Por abordar o tempo desta forma, Continuum é uma abordagem antagónica com a «ideologia do instante decisivo» (José Luís Neto. Continuum, 2005) e o congelamento temporal que ela implica. Somando esse seu tempo gerúndio à colocação do fotográfico num plano de não-representatividade, a série alcança uma forte contradição da generalização da fotografia como moderna janela espectral para o mundo. Poderá por isso ser tida como demanda por uma fotografia concreta, que trilha, a seu próprio modo, os caminhos de autotelismo que a pintura e a escultura percorreram em tantos momentos-chave da arte do século XX. Porém, mesmo se abstratas, estas «imagens-objeto» (Ibid.) não deixam de reforçar que o património gráfico da fotografia é sempre vestígio de algo que deixou rasto. É inevitavelmente eco de quaisquer fenómenos ou ações que inscreveram uma memória visível na emulsão. Para aparecer fotograficamente, qualquer incidente ou acidente tem de acontecer, de facto, no mundo. Tem de ser matéria sensível (fenoménica) a sensibilizar matéria sensível (fotográfica), embora podendo aparecer a luz no seu estatuto mais indecifrável ou atópico.

A documentação consultada inclui uma planta do espaço expositivo com anotações provisórias para a montagem da exposição. Juntamente com uma sinopse do projeto, igualmente nos Arquivos Gulbenkian, permite supor que houve um cálculo dimensional das fotografias para uma exata ocupação da área específica da galeria (Arquivos Gulbenkian, CAM 00542). Segundo os aspetos de sala consultados, terão sido expostas oito das nove peças catalogadas, cuja seleção terá tido em conta esses critérios de instalação. A própria metodologia adotada na ampliação facilitaria esse exercício. Um orçamento arquivado indica o faseamento da impressão em 46 provas de 24 × 120 cm, montadas em suporte rígido e conjugadas na parede. O CAMJAP financiou essa tiragem, adquirindo uma das peças na sequência da mostra (Arquivos Gulbenkian, CAM 01052). Trata-se de Continuum #2 (Inv. 07FP475) e é uma das 13 peças do artista atualmente incorporadas na coleção do Centro de Arte Moderna. Desse acervo fazem parte duas peças da série Liga-me (2004), afim de Continuum, e 10 fotos da impressionante série 22474 (a partir de imagens de encapuçados na prisão, apropriadas de Joshua Benoliel) – apresentadas por esta altura na coletiva «Densidade Relativa» no CAMJAP (2005).

Na imprensa, destaque para o artigo «Quanto tempo pode passar por uma folha em branco?», de Paula Lobo, com depoimentos do artista (Diário de Notícias, 6 nov. 2005, p. 40). A mesma autora volta a referir a série Continuum a propósito da participação de Neto na primeira edição do BES Photo, em 2005 (Diário de Notícias, 19 jan. 2006). Nesse prémio, cuja exposição foi montada durante a individual do artista no CAMJAP, José Luís Neto expôs Für Claudia (2005), outro trabalho que se alonga sobre a folha em branco.

Refira-se ainda a breve resenha da exposição redigida por Sandra Vieira Jürgens para a revista internacional Arte y Parte (n.º 60, dez. 2005-jan. 2006, p. 151). A imagem que acompanha esse destaque é reproduzida a partir de um pormenor da peça Continuum #6, anotado caligraficamente, e atualmente guardado nos Arquivos Gulbenkian (CAM 00542). Esse fragmento foi igualmente reproduzido na folha de sala e na página da newsletter da FCG que divulgou a exposição e as três visitas orientadas por Liliana Coutinho (Newsletter. Fundação Calouste Gulbenkian, n.º 67, 2005, p. 13).

Daniel Peres, 2019


Ficha Técnica


Artistas / Participantes


Coleção Gulbenkian

Continuum #2

José Luís Neto (1966-)

Continuum #2, 2005 / Inv. 07FP475

Continuum #2

José Luís Neto (1966-)

Continuum #2, 2005 / Inv. 07FP475


Eventos Paralelos

Visita(s) guiada(s)

José Luís Neto. Continuum

29 out 2005 – 11 dez 2005
Fundação Calouste Gulbenkian / Centro de Arte Moderna – Sala de Exposições Temporárias
Lisboa, Portugal

Publicações


Material Gráfico


Fotografias

Jorge Molder (à esq.), Emílio Rui Vilar (ao centro) e Leonor Nazaré (à dir.)
Manuel Botelho (à esq.) e Carlos Nogueira (à dir.)
Jorge Molder, Emílio Rui Vilar, João Caraça, José Luís Neto (atrás, da esq. para dir.)
Carlos Gonçalinho (à esq.), Patrícia Rosas (ao centro), Jacinto Ramos (à dir.)
Pedro Cera (à dir.)
Fernando Belo (ao centro) e Alda Galsterer (à direita)
Emílio Rui Vilar (à esq.) e José Luís Neto (à dir.)
Emílio Rui Vilar (à esq.), Jorge Molder (ao centro), José Luís Neto (à dir.) e Pedro Cera (atrás, à esq.)
Emílio Rui Vilar (à esq.), José Luís Neto (ao centro), Joge Molder e Leonor Nazaré (à dir.) e António Repolho (atrás, à dir.)
Jorge Molder (à esq.), Emílio Rui Vilar, José Luís Neto (ao centro), António Repolho Correia (atrás)
António Repolho Correia (esq.), João Caraça (centro, esq.), Leonor Nazaré (ao centro), Emílio Rui Vilar (centro, dir.) e José Luís Neto (à dir.)
Manuel Botelho (à esq.), Jorge Molder (ao centro) e Leonor Nazaré (atrás, à dir.)
Emílio Rui Vilar e José Luis Neto (à esq.)
Luís Távora
Emílio Rui Vilar (à esq.), João Caraça (ao centro) e José Luís Neto (à dir.)
Jorge Molder (atrás, à esq.), Emílio Rui Vilar (à esq.), António Repolho Correia (ao centro), João Caraça (centro, dir.), José Luís Neto (à dir.)
João Paulo Feliciano, Maria Pinto, Leonor Nazaré (da esq. para a dir.), Isabel Simões (de costas)
Manuel Botelho (ao centro)
Filomena Molder
Jacinto Ramos (à esq.), Helena de Freitas (ao centro), Carlos Gonçalinho (à dir.)
João Paulo Serafim (à esq.)
Ana Vasconcelos (ao centro) e Patrícia Rosas (de costas)
Alexandre Pomar e Lúcia Marques
José Luís Neto (ao centro) e Manuel San-Payo (à dir.)
Luís Serpa (à esq.) e José Luís Neto (à dir.)

Multimédia


Documentação


Periódicos


Fontes Arquivísticas

Arquivos Gulbenkian (Centro de Arte Moderna), Lisboa / CAM 00542

Pasta de arquivo referente à produção da exposição individual José Luís Neto «Continuum», Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão (CAMJAP), 2005. Contém convite para a inauguração; planta do espaço expositivo com indicações para a montagem; correspondência com colaboradores e entidades envolvidas; informação contabilística diversa, com destaque para o financiamento da produção dos trabalhos apresentados por parte do CAMJAP; textos a publicar no catálogo; projeto com memória descritiva da série apresentada; dados biográficos e curriculares do autor em documento timbrado pela Vera Cortês Agência de Arte; auto de entrega à galeria Lisboa 20 de oito obras da série «Continuum». 2005 – 2007

Arquivos Gulbenkian (Centro de Arte Moderna), Lisboa / CAM 01052

Pasta de arquivo referente à aquisição por parte da Fundação Calouste Gulbenkian da obra «Continuum #2» (Inv. 07FP475) na sequência da exposição individual «Continuum». José Luís Neto, Centro de Arte moderna José de Azeredo Perdigão, FCG, 2005. 2007

Arquivo Digital Gulbenkian, Lisboa / ID: 118733

Coleção fotográfica, cor: inauguração (FCG-CAMJAP, Lisboa) 2005

Arquivo Digital Gulbenkian, Lisboa / ID: 113162

Coleção fotográfica, cor: aspetos (FCG-CAMJAP, Lisboa) 2005 – 2005


Exposições Relacionadas

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