Luz branca sobre fundo negro. Tales on Dirty Realism evoca, pelas inscrições como pelas colagens com figuras femininas – dissonantes do ponto de vista dos contextos –, o universo da imagem em movimento que sempre prendeu Julião Sarmento: a possibilidade de evocação do instante, do movimento como da sua suspensão, é assim retomada com a colagem de imagens a preto e branco, com uma disposição assimétrica, não sequencial. A justaposição do desenho de contorno de um pavão, de uma parcela de corda vermelha e da grande inscrição textual estampilhada a branco, ao centro, concorrem para concentrar uma multiplicidade de sentidos, nem todos harmónicos, no espaço plástico.
Algumas referências literárias fragmentárias se podem apontar a propósito desta obra: aqui, em particular, o artista evoca o universo de Raymond Carver (1938-1988) ou de Charles Bukowski (1920-1994), ambos escritores norte-americanos associados ao «realismo sujo», corrente literária em voga nos Estados Unidos da América no início dos anos 80, com as suas histórias de vidas sem brilho, de delinquência e errância – mormente conflituais –, passadas em subúrbios pobres ou marginais. A colagem de imagens impressas e a sobreposição da pintura e da escrita em fundo negro concorrem para avivar um efeito de incongruência narrativa baseada na aproximação de referências iconográficas e mnemónicas dispersas. Tales on Dirty Realism prossegue assim uma ideia de narratividade ficcionada, transfigurada e/ou mutilada, que Julião Sarmento desenvolveu extensivamente a partir dos anos 70, na pintura, no desenho, na fotografia ou no vídeo.
AFC
Novembro de 2011