• 1969
  • Tela
  • Tinta acrílica
  • Inv. 83P769

Júlio Pomar

Table des Jeux

A pesquisa em torno da forma e da cor que Júlio Pomar inicia em finais dos anos 60, a partir das suas variações em torno do Banho Turco, assume em Table des Jeux uma configuração decididamente lúdica, como se a obra se propusesse como “uma máquina meticulosa do aleatório”.*

 

Esta concepção de uma obra composta por elementos permutáveis e recombináveis já havia sido ensaiada em Baigneuse à mi-corps vue de cos, d’apès Ingres, datada de 1969, a qual conta com quatro elementos.** Table des Jeux é composta por 6 elementos, sendo cada um assinado e datado no verso. A opção de não os assinar na frente e de assinar e datar cada um deles é, desde logo, um incitamento a que a obra seja perspectivada nas suas múltiplas possibilidades combinatórias, descondicionando ao máximo a sua disposição e outorgando ao possuidor/espectador a responsabilidade da sua (re)composição. Por outro lado ainda, o facto de todos os painéis contarem com uma mancha azul nos seus limites inferior e superior, garante a eficácia formal deste puzzle de múltiplas opções.

 

Sobre um fundo verde uniforme, estão dispostas várias formas ou, melhor dito, vários fragmentos de formas. Efectivamente, a evolução da pesquisa de Pomar sobre a forma tende para a sua fragmentação: pela lição assumidamente colhida nos guaches recortados de Matisse, a forma é aqui assumida em toda a sua bidimensionalidade, sem qualquer sugestão de claro-escuro, o que lhe confere um cariz bastante gráfico; por outro lado, a desconstrução e reconstrução das formas pelo pintor expõe uma experiência lúdica com a mesma que o olhar do espectador poderá continuar. Pintadas em tons de azul, vermelho, laranja, amarelo, branco e preto, esses fragmentos tanto podem sugerir retalhos de formas em positivo, como o negativo destes. E nesse caso, se interpretarmos essas ou algumas dessas formas a azul, vermelho, laranja, amarelo, branco e preto como possíveis negativos de formas, podemos perspectivar o verde já não como um fundo, mas também e alternativamente como uma forma em positivo. Pois os intervalos têm tanta expressividade como as formas que os delimitam.***

 

Num texto que compõe para um catálogo de uma sua exposição na Galeria 111, em 1973 — o qual se apresenta como a cartografia das suas referências de então, o mapa, também ele recombinável, das suas afinidades electivas e o diálogo pessoal de Pomar com essas referências —, o autor escreve: “todo o significar é intencional, isto é, fruto de uma escolha que o desejo articula a um nódulo passível de o veícular (sic). A cadeia de associações por onde se faz o significar admite opções, adonde a máquina do aleatório virá atrelar o desejo ou o que dele se desprende, emerge (…) a imagem não se situa sobre ou contra a superfície; não haverá separação (ou diálogo, como agenciar rupturas) entre forma e fundo, entre a imagem que investe e a superfície que é investida … a imagem não se delimita sobre a superfície, investe-a, e, uma vez a ela acopulada, despe-a da sua neutralidade de suporte … no decurso do investir do suporte pela imagem, esta fragmenta-se, como se devorada; para, uma vez dentro da superfície, usufruir dela, fazê-la explodir, gozá-la … écrans, balizas, (espelhos), não-signos que revelando os signos e as suas possíveis identidades são, mais do que significam, a incorporação daqueles, a sua ingestão significante … lembrar da imagem como ausência, o corte metonimico (sic) praticado na superfície: em vez do signo do objecto ausente, o signo da ausência do objecto (metonimisado este, paralela, concorrentemente) divisão da superfície em zonas sem relação com a imagem: invocação da presença do suporte, demarcação do tempo anterior à imagem que o investiu (…) o tempo então é mais que fundo/ ao qual se apõem os factos/ é espaço capaz de forma/ vulva, parto/ … o tempo então é que espaça/ as coisas: capaz de linguagem/ ao passar vai-se formando/ contundente, erecto./… o espaço então é mais que coisa/ coisa capaz de linguagem/ e ao passar-se vai expressando/ as formas que tem de passar-se.”****

 

Tempo de abdicação de todas as totalidades e grandes narrativas. Até do poder do autor sobre a composição e significação da sua obra.

 

* Júlio Pomar, Pomar 69/73, Lisboa, Galeria 111, 1973, s/p.

 

** Ver Catalogue Raisonné II. Peintures et Assemblages. 1968-1985, Paris, Éditions de la Différence, 2001, pp. 40-41.

 

*** Num texto para um catálogo de 1973, Pomar cita, como epígrafe inaugural do mesmo, a seguinte frase de John Cage: “depois todos os intervalos me atraíram”. Júlio Pomar, Pomar 69/73, Lisboa, Galeria 111, 1973, s/p.

 

**** Júlio Pomar, Pomar 69/73, Lisboa, Galeria 111, 1973, s/p.

 

 

 

Luísa Cardoso

Fevereiro 2015

TipoValorUnidadesParte
Largura195cm
Altura162cm
Tipo assinatura
Posiçãona frente
Tipo data
Posiçãona frente
TipoAquisição
DataJulho 1983
Arte Contemporáneo Portugués
Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, Centro de Arte Moderna, 1987
Catálogo de exposição
Arte Contemporáneo Portugués
Fundação Calouste Gulbenkian
Curadoria: CAM/FCG
Fevereiro de 1987 a Março de 1987
Madrid, Museo Espanõl de Arte Contemporáneo
Exposição organizada pelo CAM e pelos ministérios dos "Asuntos Exteriores" e da Cultura de Espanha. A exposição apresentou obras da Colecção do Centro de Arte Moderna e de colecções particulares.
4º Prémio Amadeo de Souza-Cardoso: Júlio Pomar
Museu Municipal Amadeo de Souza-Cardoso
Curadoria: Museu Municipal Amadeo de Souza-Cardoso
13 de Setembro de 2003 a 2 de Novembro de 2003
Museu Municipal Amadeo de Souza-Cardoso
Exposição realizada no âmbito da atribuição do Prémio Amadeo de Souza-Cardoso ao Mestre Júlio Pomar.
Atualização em 23 janeiro 2015

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