Se o personagem da imagem se encontrasse num meio citadino provavelmente passaria despercebido. No entanto, o inusitado da situação em que o autor o colocou, provoca várias interrogações: porquê a travessia daquele espaço? O que levou a esse acontecimento? O que transporta naquela mala?

 

Estamos perante uma encenação enquanto estratégia de questionamento, que surge por subversão ou conflito dos processos de uma lógica de percepção entre o que se vê e o que a experiência quotidiana nos dita.

 

O espectador, tal como o personagem, é assim colocado entre margens na tentativa de reenquadramento de um espaço que se inscreve, por enquanto e apenas, no domínio da ficção.

 

A procura de fixação de elementos na imagem torna-se infrutífera. Fim de tarde ou princípio da manhã? África, América ou Europa? São tudo possibilidades que geram um limbo de indeterminações temporais e espaciais, na criação da falência de uma imagem sem coordenadas e que flutua na ambiguidade da percepção do espectador.

 

Resta a rendição à metáfora como estratégia para resolver a imagem. Voltemos a essa imagem. Note-se o personagem de fato completo, repare-se na mala que transporta, atente-se na dificuldade do movimento, e fixemos a paisagem indiferenciada. Certamente elementos que podemos transpor para o quotidiano de uma cidade.

 

O personagem, qual São Cristóvão que leva o peso do mundo na sua mala para o outro lado do rio, faz uso da metáfora da travessia, da condição humana do deslocamento e da viagem, como um imperativo de ordem civilizacional e do nosso tempo.

 

A disjunção cenário/personagem cria, a partir da imagem, uma intensidade dramática que leva a uma reflexão emancipada do espectador levando-o, de uma maneira autónoma, a equacionar as lógicas sociais da construção de estereótipos.

 

 

JO

 

Maio de 2012