- 1913
- Cartão
- Sanguínea
- Inv. DP1039
José Pacheko
s/título
José Pacheko fez estes desenhos em contexto parisiense, na sua segunda viagem à capital francesa, recém-casado. São esboços a sanguínea sobre cartão, em que o pastel avermelhado é usado para delinear corpo e vestes, e depois o guache para assinalar a pele a descoberto. Mostram uma bailarina, e a representação do corpo pauta-se pelos ecos de pernas e braços, multiplicados para acentuar a ideia de movimento, sem que deixe de ser visível alguma hesitação no desenho. A ideia de movimento é também procurada com o prolongamento de membros de forma anatomicamente inverosímil, e num dos desenhos os dois braços chegam ao ponto de se fundir nas extremidades, as mãos indistintas numa representação única sucinta.
Estes desenhos foram encontrados no espólio de José Pacheko junto com um programa de um espetáculo de Isadora Duncan, sem data ou título referidos pelos biógrafos. No entanto, Mário de Sá-Carneiro refere-se a eles em carta enviada de Paris a Fernando Pessoa de 20 de Junho de 1914, dizendo que Pacheko «fez ultimamente umas sanguíneas sobre a Duncan que são muito belas» (Cartas I, Ática, 1992). Como Pacheko viaja só em Abril para Paris, os desenhos não podem ter sido feitos senão entre Abril e a data da carta citada. Numa outra dirigida ao próprio Pacheko, Sá-Carneiro parece devolver-lhe um dos desenhos (com a carta «vai juntamente o rascunho para a Duncan», Paris, 10.07.1914), e mais tarde, depois de deflagrar a Primeira Grande Guerra, já em Barcelona, pergunta-lhe «e a Duncan chegou a enviar-lhe os desenhos?» (Barcelona, 4.09.1914) (transcritas em Pacheko, Almada e «A Contemporânea», Centro Nacional de Cultura, Bertrand Editora, 1993), o que indica que Pacheko teria expressado a intenção de enviar à bailarina os seus esboços.
É possível também que os desenhos tenham sido executados na escola de Isadora Duncan, montada no antigo hotel Bellevue nos primeiros meses de 1914, que promovia um "dia aberto" aos sábados de manhã para que os artistas pudessem desenhar à vista as jovens aspirantes a bailarinas. As vestes sumárias que se vêem nas figuras desenhadas correspondem às túnicas de inspiração grega que Duncan usava desde cedo nas suas coreografias, bem como lenços e tecidos semitransparentes e vaporosos, cujo esvoaçar era incorporado na dança. Em dois dos desenhos de Pacheko vemos as personagens com um seio desnudado, e está registado que algumas coreografias de Duncan envolviam seminudez, além de que, desde o início, a americana dançava sempre descalça e assim o ensinava nas suas escolas. Ou então, se se reportam diretamente a Duncan, foram executados de memória em relação a algum espetáculo anterior da bailarina, ou relato dele, pois à data a que são feitos, Isadora Duncan estava em estado relativamente avançado da sua terceira gravidez e, mesmo se dançasse publicamente, dificilmente poderia apresentar uma coreografia correspondente à que Pacheko regista. É de ressalvar que, captando os movimentos pouco convencionais da pioneira da dança contemporânea, bem como o efeito arrastado e lânguido que procuram no desenho repetitivo dos membros, tentam transmitir um efeito de deslocação no tempo amplamente difundido em ilustração, pintura e desenho, por via sobretudo das experiências futuristas. Dentro dessas e outras pesquisas pictóricas do primeiro quarto de século, a dança foi tema de eleição, em particular as experiências de dança livre que se iniciam com Isadora Duncan. Se, por um lado, os artistas viam nela a encarnação de um corpo livre e fluido que correspondia às suas pesquisas em pintura ou escultura, por outro os movimentos inspirados na natureza e vestes diminutas eram alvo de caricatura e escárnio. A bailarina autodidata foi assim protagonista de muitos desenhos (e fotografias) da época que, por entre jornais, exposições e tertúlias em meio parisiense, não seriam alheios a José Pacheko e podem ter sido também fonte visual para a execução destes três esboços.
Mariana Pinto dos Santos (com José Pedro Cavalheiro e Isabel Cardoso)
Junho de 2013
Tipo | Valor | Unidades | Parte |
Altura | 31,2 | cm | |
Largura | 24,5 | cm |
Tipo | Aquisição |
Data | Abril de 1983 |
Inauguração do CAM |
CAM/FCG |
Curadoria: A definir |
20 de Julho de 1983 Lisboa, Centro de Arte Moderna/ FCG |
20 de Julho 1983. |