• Papel vegetal
  • Tinta-da-china
  • Inv. DP1094

Júlio Pomar

s/título

Não obstante desconhecer-se a datação deste desenho, conhece-se um estudo preliminar para o mesmo, datado de 1945.* Estávamos então no arranque do neo-realismo nas artes plásticas em Portugal, movimento do qual Júlio Pomar seria um dos mais destacados representantes. Na ditadura que então dominava o país, o neo-realismo emergia como uma das ‘expressões’ da oposição ao regime, alimentado pelas esperanças de democratização decorrentes da recente vitória dos Aliados na II Guerra Mundial.

 

Então com 19 anos, Pomar integra nesse ano a IX Missão estética de Férias, em Évora, organizada pela Academia de Belas Artes. Considerada por vários autores como o marco inicial do neo-realismo, permitirá “o desenvolvimento de trabalhos de temática camponesa e de uma realidade aos quais muitos dos jovens citadinos não estavam familiarizados”.** Contudo, a imagem de “camponês” e de “povo” que o neo-realismo traduz contrastava fortemente — e nesse contraste pretendia apresentar a sua denúncia social e política — com a imagem de “povo” forjada e promovida pelo Estado Novo.

 

Longe da representação de um povo “pobre mas honrado”, feliz e sereno, o que vemos é a representação de um camponês cuja tensão e revolta são o catalisador de uma denúncia — de pobreza, de precariedade, de exploração laboral — e o ensejo de uma mudança — social e política.

 

A figura humana ocupa a centralidade da composição, preenchendo todo o espaço disponível e ameaçando os seus limites. A triangulação do corpo e a diagonal que estabelece reforça o sentido de tensão que percebemos na expressão facial e na torção do pescoço. O exagero anatómico das mãos e dos pés expressa a sua condição de trabalhador, mas é, também, uma convenção pictórica não só recorrente na produção neo-realista de Pomar, como em várias das referências plásticas que o neo-realismo toma para si, como sejam os muralistas mexicanos, a American Scene e o Realismo Social norte-americanos.

 

Mas, mais do que um camponês anónimo, trata-se de um “tipo”, ou seja, de um indivíduo singular que representa toda uma classe social — a dos camponeses — e denuncia a precariedade da sua situação. Num texto que publica nesse mesmo ano — data em que, entre Junho e Outubro, dirige semanalmente a página “Arte” do diário A Tarde — , Pomar afirma: a “posição do pintor, como a do artista em geral, é a tradução da realidade em sínteses objectivas. Não o detém o aparencial das coisas: qualquer o capta, todos com ele lidam. Pintar tal e qual se vê não tem razão de ser. Não interessa aos homens — não ultrapassa, e mal, a dobragem do que os olhos atingem. Pintura de aspectos, seja o que for — menos autêntica arte, e muito menos realismo. Quando a um pintor chamamos realista, colocamo-lo imediatamente num local determinado das necessidades colectivas: anulação da camuflagem (organizada ou não) da realidade.”***

 

* Estudo pertencente à colecção do Museu do Neo-Realismo de Vila Franca de Xira. Ver Júlio Pomar e a experiência neo-realista, Vila Franca de Xira, Câmara Municipal de Vila Franca de Xira e Museu do Neo-Realismo, 2008, pp. 70

** Idem, p. 180.

*** Júlio Pomar, “Nota sobre arte útil”, “Arte”, nº 2, in A Tarde, 16-06-1945. Citado por David Santos, “O neo-realismo pictórico e a utopia política do pós-guerra. Os compromissos distintos de Júlio Pomar e Marcelino Vespeira” in Batalha pelo Conteúdo. Exposição Documental do Movimento Neo-Realista Português (coord. David Santos), Vila Franca de Xira, Câmara Municipal de Vila Franca de Xira e Museu do Neo-Realismo, 2007, p. 181

 

 

 

Luísa Cardoso

Fevereiro 2015

TipoValorUnidadesParte
Largura14,5cm
Altura19,4cm
TipoA definir
DataAnterior a 1983
Atualização em 23 janeiro 2015

Definição de Cookies

Definição de Cookies

Este website usa cookies para melhorar a sua experiência de navegação, a segurança e o desempenho do website. Podendo também utilizar cookies para partilha de informação em redes sociais e para apresentar mensagens e anúncios publicitários, à medida dos seus interesses, tanto na nossa página como noutras.