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  • Inv. GP1977

Júlio Pomar

Saltimbanco

Esta gravura de 1957 apresenta características bastante semelhantes a gravuras que Pomar realiza no mesmo período, como sejam Vidreiro e Mulher com raia, de 1956 e 1957 respectivamente.

 

O tema dos saltimbancos e das personagens circenses é recorrente na obra de Pomar. Surgira desde logo nos frescos que executara para o Cinema Batalha, no Porto, em 1946. Também Almada Negreiros os empregara nos seus murais da Gare Marítima da Rocha do Conde de Óbidos, em Lisboa, concluídos em 1948. Porém, estas personagens associadas a entretenimento, diversão e alegria surgem representadas, nos casos apontados, disforicamente. Por lírica que aparente ser a representação do saltimbanco nesta gravura, equilibrado sobre uma perna, a tocar uma gaita de foles e acompanhado por dois animais, perpassa uma tristeza na sua expressão facial. E a mesma parece enfatizada pelo contraste com a suposta ligeireza e jovialidade da cena.

 

O insólito da imagem principia logo no primeiro plano, do lado direito da composição: uma cabra, ajoelhada, sustem um macaco no seu dorso, que fita o músico. A junção da ruralidade associada à cabra com o exotismo associado ao macaco adverte, desde logo, contra a aparente ingenuidade da cena.

 

Em segundo plano, do lado esquerdo da composição, observamos o saltimbanco, lateralmente, a tocar o seu instrumento. A perna erguida pode sugerir que dança ou que marca o ritmo da música, mas a melancolia do seu rosto parece anular a festividade sugerida pela música e pela dança. Em terceiro plano, uma arquitectura quase evanescente, sugerindo um arco de pedra, enquadra as três personagens.

 

A imagem parece assim conter um contra-circuito emocional surdo e latente. A aparente jovialidade inócua do seu tema, corroborada pelo lirismo da sua expressão plástica — mas que simultaneamente ameaça esvair-se, como se de uma ténue e delicada impressão se tratasse —, torna-se, num segundo olhar, sinistra ou apagada, não só pela insólita junção dos elementos que a compõem, como pela nostalgia do saltimbanco.

 

Tal como o povo de Almada suspenso nas amuradas de um navio na Gare da Rocha do Conde de Óbidos ou como os triste povo em festa de São João de Pomar nos censurados murais do Cinema Batalha, também este saltimbanco parece representar a farsa oficial de que “tudo vai bem” nos cinzentos anos 50 portugueses. Rui Mário Gonçalves caracterizou o decénio como “a década do silêncio”: finda “a euforia do final da Segunda Guerra Mundial” e configurada a Guerra Fria, “O mundo, nesta ambígua situação de paz armada, parecia uma enorme máquina travada no seu excesso de energia explosiva, numa tensão enorme. Parecia que os pequenos países e, em cada pequeno país, os homens comuns não podiam fazer nada, reduzidos ao silêncio, um silêncio entretido quotidianamente de conversas convenientemente fúteis; ou assustadas, nervosas; por vezes cómicas ou trágicas, na descoberta da sua própria inutilidade. Rir ou chorar eram dois sinais da mesma impotência do homem comum, perdendo o sentido dos seus actos, enganados em promessas vãs, em adiamentos absurdos. A comunicabilidade esmorecia, por demasiadamente fiscalizada; e, na sua degradação, acabava ela própria por ser inútil.”*

 

Se em plena II Guerra Mundial, o Estado Novo se comemorara com a Exposição do Mundo Português de 1940, em 1956, perante a tensão internacional da Guerra Fria, realizou a exposição comemorativa dos 30 anos da sua existência. Tal como o saltimbanco triste, representando um alheamento improvável e dificilmente sustentável.

 

* Rui Mário Gonçalves, “A Década do Silêncio. 1951-1960” in Arte Portuguesa nos Anos 50, Beja, Câmara Municipal de Beja, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1992, pp. 85-86.

 

 

 

Luísa Cardoso

Fevereiro 2015

TipoValorUnidadesParte
Altura52,6cmpapel
Largura39,8cmpapel
TipoA definir
DataA definir
Atualização em 23 janeiro 2015

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