Esta escultura de José Pedro Croft exemplifica o vocabulário conceptual e material que o autor tem explorado com mais intensidade na sua obra ao longo duas útlimas décadas. Elementos simples, como cantoneiras utilizadas para erguer estantes, em ferro galvanizado, e espelhos, expressam uma prática escultórica austera e reduzida ao mínimo essencial. No seu processo de trabalho, os procedimentos operam um reencontro com a memória da sua experiência artística e de outros elementos constitutivos do mundo que o rodeia e que se incorporam em cada nova obra. Esta noção de memória está estreitamente ligada ao ato, à atividade humana, que decorre sobre o princípio da incerteza na metáfora da corporalidade inscrita num desenho, numa gravura ou numa escultura, em que a medida é o elemento que determina o equilíbrio ou o desacerto.

A presente obra, Sem título, de 1998, homenageia um médico, o Dr. Azevedo Neves, fundador da Sociedade Portuguesa de Oncologia (antecessora do IPO), e integrou uma exposição coletiva, apresentada nesta Fundação, dedicada à geração de 1911, composta de médicos reformadores dos serviços de saúde durante a Primeira República. José Pedro Croft cria a escultura a partir de uma estrutura cúbica que se duplica verticalmente numa proporção irregular, acentuada pela utilização dos espelhos que abrem o espaço no seu interior e simultaneamente resgatam o espaço envolvente para dentro da obra, colhendo a presença do observador em diversos pontos de vista que a escultura proporciona. A alusão à fragilidade do corpo, permeável ao exterior, com o qual está permanentemente em relação, é visível através da sua estrutura complexa. Entre vazios e superfícies refletoras que se desencontram na medida exata no seu interior, mas que simultanemante exibem a sua vulnerabilidade. Um equilíbrio métrico e permanentemente condicional, no limite da vida que se reifica perante a morte.

João Silvério

Abril de 2013