Ana Marchand (1947) tem mantido na sua obra artística linhas de trabalho fortemente associadas à natureza e às muitas viagens que empreende, detendo-se longos períodos em destinos como a Índia, o Vietname e o Sul da China. Este núcleo de peças, Sem título, 2000 (da série Pássaros) corresponde a uma série de obras a tinta-da-china e guache chinês sobre papel; a fauna e a botânica locais, evocadas num conjunto de pássaros pousados em ramos de árvores e vistos e registados fotograficamente, é recriada numa construção figurativa onde o naturalismo se transfigura pela intensidade do registo. A série foi produzida durante uma estada no Brasil, numa fazenda em Aracê no estado do Espírito Santo, em 2000; no ano seguinte foi mostrada na exposição Bird’s Eye View, no Museu Nacional de História Natural e Jardim Botânico de Lisboa.

 

Estes trabalhos não podem ser dissociados do contexto da sua produção, ou seja, do registo vivencial de Ana Marchand e das características da paisagem da região de Aracê, distrito cuja denominação tupi-guarani significa o nascer do dia e o canto dos pássaros ao amanhecer. Optando pela simplicidade na sua abordagem aos temas e a espiritualidade como dimensão essencial da sua prática artística, Marchand também homenageia a cultura, a paisagem, a atmosfera e a exuberante natureza local, para prosseguir um método que a própria define como “um trabalho de antropologia”.

 

Curioso é, sem que existam sons associados às peças, intuir-se uma ambiência sonora a partir da superfície pictórica e das qualidades plásticas próprias de uma exploração de índole expressiva, que desencadeia planos de leitura complementares à visualidade. Paralelamente ao campo de interesses do seu programa pictórico, refira-se que a autora produziu esta série de obras enquanto lia e traduzia um texto clássico do budismo zen. Relacionam-se também com este trabalho os apontamentos pessoais que foi escrevendo ao longo da estada, nos quais descreve a sua experiência, o decurso dos dias, a atmosfera e as particularidades do seu processo criativo e da sua prática artística. São momentos de organização e rememoração a mais de um título, como nesta nota de 13 de novembro de 2000: “Utilizo a pintura como meio de aceder ao conhecimento da HISTÓRIA NATURAL DO HOMEM”.

 

 

 

Sandra Vieira Jürgens

Outubro 2014