Mais do que assumir a paisagem como tema, a pintura de João Queiroz estabelece uma relação com a paisagem – uma relação que resulta de uma experiência vivida na paisagem, de uma imersão direta numa envolvente natural, da qual ficaram retidas impressões, sensações, memórias ou mesmo ações, que só posteriormente são levadas à tela. A pintura não procura, assim, mimetizar um referente que lhe é exterior, mas antes reconstituir, através de uma formalização pictórica, a dinâmica de um corpo em movimento que se deslocou através da natureza. Nesse sentido, não se trata de sistematizar um ponto de vista que representa uma relação visual de mera contemplação, mas antes de coligir e evidenciar os traços que recuperam diversos momentos de passagem: trata-se de fixar a sequência de gestos e instantes capazes de registar e recriar uma interação entre corpo e paisagem.

Em causa está um exercício no qual, ao mesmo tempo que são representados elementos reconhecíveis, surgem também formas ou manchas indistintas, com diferentes velocidades, intensidades e texturas, que traduzem as variações de uma experiência fenomenológica. Com efeito, a pintura de João Queiroz chega por vezes a aproximar-se de um domínio abstrato, explorando um limite que acaba contudo por nunca ser inteiramente cruzado.

Note-se ainda que, ao mesmo tempo que a pintura se evidencia como resultado de uma relação física entre o artista e uma paisagem, as próprias dimensões da tela apontam para que essa relação se estenda ao público, já que estabelecem um corpo-a-corpo entre a pintura e o espetador – que não fixa o seu olhar num retângulo numa parede, mas que, numa relação de paridade, é confrontado com uma superfície de grandes dimensões que reclama todo o seu corpo para o ato percetivo.

Margarida Brito Alves
Outubro de 2011