- 1971
- Papel Arches
- Grafite
- Inv. DP1097
Júlio Pomar
Retrato da mulher de António Dacosta
“Vinha o retratado, eu fazia o possível para que ele fosse contando coisas e fosse esquecendo a sua posição de retratado. Então começava uma espécie de ir à caça, de tentar prender a coisa fugaz que de repente vinha ao de cima.”*
Nesta série de retratos a lápis que Júlio Pomar realiza nos anos 70, essa “coisa fugaz que de repente vinha ao de cima” parece ser algo nunca plenamente conquistado pelo desenho, como se o próprio traço ameaçasse desvanecer-se e afundar-se na brancura do papel.
Contrastando com os retratos que pela mesma época realiza em acrílico sobre tela, estes retratos a lápis destacam-se pelo seu carácter eminentemente íntimo e privado. São retratos de pessoas do seu círculo privado e o próprio recurso ao desenho e a um traço evanescente parece conservar essa intimidade, quer na relação do artista com o retratado — mantendo assim uma distância que não pretende ousar conhecer ou desvelar o “mistério” do retratado —, quer na relação entre a obra e o observador.
O específico da figura retratada parece principiar por uma pose ou postura, eleita como característica. Há sempre uma distância entre a representação e a superfície da obra, não obstante o autor não insistir na representação de volumetrias ou na construção de espaços perspécticos. E ainda assim, não obstante a tendencial bidimensionalidade, a figura surge recuada do plano da superfície, pairando, central, numa brancura de papel que lhe concede todo um espaço de respiração e também todo um respeitoso protagonismo.
Os traços que delimitam o corpo são muito ténues, criando um jogo de linhas fluidas na sua hesitação do aparecer. O rosto, de perfil, adquire maior solidez. À direita, observa-se uma mancha um pouco mais densa de grafite. A relativa solidez dessa forma, pelo escuro da mancha, acaba por conduzir o olhar para manchas de semelhante densidade, as quais animam e como que ancoram a imagem ao suporte, numa triangulação que estrutura a própria composição. Nas palavras de Fernando Gil, “Sempre em vias de se anular, o traço imitativo cerca o branco da interrogação. Massas pesadas e sombrias, vindas não se sabe de onde, penetram ou rodeiam o retratado, associando-o a vectores obscuros e dando-lhes os equilíbrios que, por si só, ele não possui. (…) O risco do risco está na sua própria improbabilidade. Não é aventura miúda iniciar e continuar o traço, consignar, através de mil sucessivas e delicadas escolhas, o delineamento que instaura, declara, a manifestação no papel. A operação é, no fim de contas, imotivada e referida a si mesma, condenando-se a inventar procedimentos da sua validação. As assim se instituem as formas e a emoção nasce.”**
* Helena Vaz da Silva com Júlio Pomar, Lisboa, Edições António Ramos, 1980, p. 64.
** Fernando Gil, Pomar: Os Retratos dos Anos 70/ Moradas do Pobre Pintor: Colagem e Glosa em Homenagem a Júlio Pomar, Caixa Geral de Depósitos/ Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1987, p. 12 e 14.
Luísa Cardoso
Fevereiro 2015
Tipo | Valor | Unidades | Parte |
Altura | 76,6 | cm | |
Comprimento | 56,8 | cm |
Tipo | assinatura e data |
Texto | Pomar 71 |
Posição | Canto inferior esquerdo |
Tipo | A definir |
Data | A definir |