Esta ilustração datada de 1972 pertence ao conjunto de vinte e uma ilustrações do livro Dinossauro Excelentíssimo de José Cardoso Pires (Lisboa: Arcádia, 1972), no qual o autor retrata satiricamente o percurso biográfico de António Salazar e a história do regime do Estado Novo.

 

A ilustração integra a primeira parte da obra, intitulada “O Homem Que Veio do Nada”, e retrata o episódio da viagem e da chegada de Oliveira Salazar e dos pais, retratados como aldeãos e camponeses de origens modestas, a Coimbra, à cidade dos Doutores, onde deparam com um ambiente elitista e provinciano marcado pelo poder da instituição académica.

 

Dividida em duas partes, a composição apresenta na sua área inferior folhas de sebenta cuja base suporta oito personagens masculinas estilizadas, representadas como cardeais da sabedoria, com tamanhos e hierarquias diferentes, de trajes académicos, capas negras, estolas e capelos, com reminiscências dos paramentos de tradição eclesiástica, que só variam pelas diferentes formas geométricas, verticais ou esféricas que apresentam no topo dos capelos.

 

No desenho, constituído por duas partes, a nossa atenção é atraída para a parte superior da composição, onde a par das figuras surge representada a denominada “roda de aprender a ler” da Cartilha de João de Barros (1496-1570), considerado o primeiro livro didáctico ilustrado do mundo e que foi publicado, como parte integrante da sua Grammatica da Lingua Portuguesa Com os Mandamentos da Santa Madre Igreja, em 1539-40. Tratava-se de um jogo de sílabas, disposto num círculo, dividido por sectores que ao centro tinham a esfera armilar, representativa do império português, e em redor o dístico em forma de rima: “Meninos sabei nesta espera emtrar. Sabereis sillabando muibem soletrar”. Deste modo, Abel Manta retrata exemplarmente o templo dos doutores, a formação e o carácter religioso e mítico da iniciação à vida académica.

 

 

 

Sandra Vieira Jürgens

Maio de 2015