Nesta gravura Pomar oferece-nos um tratamento diferente do recorrente tema do mar na sua produção. A figura central da composição, o pescador, permanece na penumbra, quer devido ao plano em que o coloca, quer devido às opções cromáticas e de sombra e luz. Devido à mancha negra que envolve a sua cabeça e tronco, dele ressaltam os braços, pela brancura das mangas, o rosto (mas até metade deste permanece na sombra) e a rede de sustém entre as duas mãos, criando uma curva que anima a composição.

 

O branco da personagem rima com os peixes e moluscos que coloca em primeiro plano, avançados em relação ao pescador e contrariando uma disposição mais realista da cena. Para além de reforçarem a leitura do tema central, revelam-se como elementos imprescindíveis na estruturação e iluminação da gravura através da sua correspondência de brancos.

 

Por fim, o azul que enquadra os peixes em primeiro plano harmoniza-se com o azul fundeiro, o qual, no plano mais recuado, emoldura toda a composição e confere profundidade à obra.

 

Júlio Pomar foge aqui a uma linguagem mais detalhada ou realista. A temática popular está presente, mas o seu tratamento formal, mais do que explicitá-la, sugere-a, tomando-a como mote para uma descoberta plástica.

 

Assim, se pelo seu objecto ainda podemos reconhecer a presença de um Júlio Pomar neo-realista, o jogo formal e a sua datação demonstram, por um lado, o pluralismo das direcções plásticas que sempre procurou explorar e, por outro lado, os novos rumos que a partir de então seguiria. Tal como o rosto do pescador, recuado e na penumbra, outras preocupações começam então a ser destacadas para primeiro plano. 

 

 

 

Luísa Cardoso

Fevereiro 2015