A ilustração intitulada “Para se apresentarem fardados de conselheiros” (1972) faz parte da série de trabalhos que resultam da colaboração de João Abel Manta com o escritor José Cardoso Pires na obra Dinossauro Excelentíssimo (Lisboa: Arcádia, 1972), composta por um texto fortemente irónico e crítico sobre a biografia de António de Oliveira Salazar e a história do regime ditatorial, de cujos 48 anos foi figura preponderante, até à revolução de 25 de Abril de 1974.

 

Integrada no “Epílogo” da obra, a sua composição toma por referência inicial a queda, seguida de acidente vascular, que Salazar sofreu em 1968, mas sobretudo os momentos imediatamente posteriores a esses factos, nomeadamente o secretismo mantido pelas autoridades em relação ao estado de saúde do chefe de Estado e depois a farsa que acompanhou a sua substituição no governo.

 

Tendo sido substituído no cargo por Marcelo Caetano, foi-lhe esse facto omitido, julgando Salazar até à sua morte, ocorrida em 1970, que ainda era Presidente do Conselho. Como refere Cardoso Pires na sua narrativa, apesar de destituído “Tratariam o Imperador como se ele ainda estivesse no trono.” (p. 80), o que se refletia na realização de sessões do Conselho de Ministros literalmente encenadas na sua presença. Por sua vez, os conselheiros que já tinham sido destituídos pelo “novo imperador” procediam como se nada fosse e iam à reunião do Conselho de Ministros, que segundo Cardoso Pires se iniciava frente à “Estátua” e com a voz gravada do imperador, que só despachava por escrito.

 

Com o estilo irónico característico de Abel Manta, esta ilustração recria o reino do “faz-de-conta”, retratando os 8 velhos conselheiros de Estado, alinhados num cenário de colunas monumentais, dispostos e disponíveis para manter a farsa, simulando reunir com o agonizante ditador e reinar num Reino fictício.  Na verdade, estes eram tão somente os dignitários-sombra, os a-fingir, os conselheiros que já não eram mas que mantinham segredo mesmo perante os conselheiros de verdade, do Reino a Sério.

 

 

 

Sandra Vieira Jürgens

Maio 2015