• 1977
  • Pano, lã, veludo, plástico e kapok
  • Inv. 78E874

Paula Rego

O Príncipe Perfeito

Num apontamento datado de 26 de Julho de 1978, Fernando de Azevedo afirma: “Pelas fotografias que documentam estes ‘bonecos’ apercebemo-nos de que eles são verdadeiramente uma criação. Criação singular entre a expressividade irónica e a terrífica, ou a mágica, dotados de uma excepcional qualidade plástica, equivalente àquela que estamos habituados a reconhecer na sua pintura. Sempre considerámos que a investigação sobre os contos populares e os seus ilustradores que Paula Rego se propôs e tem estado a realizar, se é importante em si mesma, é-o também e não menos significativamente, pelo modo como se projecta na própria obra, a que acrescenta uma dimensão e desenvolvimento surpreendentes. A realização destas figuras veio, mais uma vez, confirmar plenamente esta nossa convicção.”*

Efectivamente, a “excepcional qualidade plástica” deste Príncipe Perfeito é fácil de reconhecer, levando-nos mesmo a acrescentar que esta é exacerbada relativamente aos guaches que realizara, entre 1974 e 1975, sobre contos populares. Esse acréscimo de expressividade plástica deve-se, por um lado, à alteração de suporte e, por outro, ao “desenvolvimento surpreendente” de uma interpretação pessoal da autora sobre as mitologias estruturantes dos contos populares.

Relativamente ao primeiro aspecto, parece que a passagem da bidimensionalidade do desenho e da pintura para a tridimensionalidade deste “boneco” descola a interpretação da autora da textualidade do conto e da tradição da ilustração para uma expressividade plástica inédita. O trabalho com materiais como o tecido, o kapok e a lã, cortando-os, cosendo-os, enchendo-os e moldando-os numa nova forma, permite-lhe abandonar completamente um certo convencionalismo dos seus desenhos anteriores, forjando uma liberdade expandida para a sua narrativa reinventada. Se por motivos de comodidade classificativa os designamos por “esculturas”, seremos contudo obrigados a reconhecer que de esculturas particulares se tratam. Não fora tal léxico aparentemente estranho a determinado discurso disciplinar, poderíamos admitir, como Fernando Azevedo, que de “bonecos” se tratam, bonecos da infância, feitos para brincar. E Paula Rego parece jogar com essa ambiguidade: se os contos populares contêm uma dimensão pedagógica eminentemente associada ou dirigida à infância, a opção pela sua interpretação através de “bonecos” parece continuar essa tradição didáctica, ainda que metamorfoseando os significados originais. Recriando uma nova pedagogia, “estas esculturas foram feitas para brincar”.

O segundo aspecto acima mencionado — o “desenvolvimento surpreendente” de novas propostas interpretativas da autora — encontra-se intimamente relacionado com o anterior. A interpretação do clássico príncipe perfeito é uma figura desproporcionada — uma cabeça e mãos demasiado grandes para a dimensão do corpo, umas orelhas demasiado grandes em relação à cabeça —, com protuberâncias a lembrar deformações, com barba, sobrancelhas e cabelo crespos, com uma expressão facial de zanga e raiva — conseguida à custa do olhar, posição das sobrancelhas e esgar contorcido dos lábios — que contrasta, contudo, com a impotência da sua figura.

De perfeito este príncipe nada tem, e é essa revelação que Paula Rego oferece, pedagogicamente, ao seu espectador, para que este deixe de sonhar e de aguardar pelas incutidas mitologias da perfeição.

 

Luísa Cardoso

Julho 2014

 

* Citado em Ana Ruivo, “Anos 70 — Contos Populares e Outras Histórias”, Paula Rego. Anos 70: Contos Populares e Outras Histórias, Cascais, Fundação Paula Rego/Casa das Histórias Paula Rego, 2010, p. 6

Altura 98 cm
Largura 47 cm
Profundidade 18,5 cm
Tipo Aquisição
Data Novembro 1978
Paula Rego
Galeria 111
Curadoria: Galeria 111
A Galeria Zen, no Porto, e a Galeria 111, em Lisboa foram os locais onde se realizou a exposição, em novembro de 1978.
8.ª Edição do Projecto Verão Arte Contemporânea
Centro Cultural Emmerico Nunes
Curadoria: Centro Cultural Emmerico Nunes
2 de Julho de 2005 a 31 de Julho de 2005
Centro Cultural Emmerico Nunes, Sines
Exposição organizada no âmbito da 8.ª Edição do Projecto Verão Arte Contemporânea em Sines, que tem como principal desígnio contribuir para que os olhares dos habitantes e visitantes de Sines possam encontrar-se e confrontar-se com produções que tenham significado no panorama actual das artes visuais.
Atualização em 28 setembro 2021

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