A partir dos anos 80, Eduardo Batarda abandona as aguarelas e regressa ao acrílico. Abandona também as referências figurativas explícitas e as inscrições (surgindo muito pontualmente uma ou outra, por vezes apenas uma sílaba ou letra). A obra Néctar foi adquirida na sequência de uma menção honrosa na III Exposição de Artes Plásticas da Fundação Calouste Gulbenkian (1986). Ao contrário das outras pinturas feitas desde o regresso ao acrílico, todas elas improvisadas em múltiplas camadas de tinta, esta partiu de um desenho preparatório. No resto utiliza o mesmo processo de construção em palimpsesto, que consiste numa primeira fase em que são utilizadas várias cores (e possivelmente alguma figuração), depois cobertas com branco semitransparente. Sobre este são aplicados os tons escuros, negros, cinzentos ou castanhos (em algumas pinturas posteriores foram usados azuis e verdes), que, no jogo de ocultação/revelação das camadas de baixo, desenham riscas verticais, horizontais e elípticas. No canto inferior esquerdo desta obra, essas formas tornam-se dispositivos óticos para camuflar a grade fora de esquadria. Finalmente, uma camada de verniz sela a superfície pictórica.
Continua a haver o apelo, agora velado, de aproximação e afastamento para observar o quadro, uma vez que é ao perto que se entreveem as cores empalidecidas das primeiras camadas, fantasmas da pintura original. Néctar é um exemplo do exercício de arqueologia da pintura que Eduardo Barata levou a cabo sistematicamente a partir dos anos 80, em que comenta uma pintura moribunda ou morta, sendo cada um desses exercícios a prova irónica de que na verdade está ainda viva. O vórtice que se vê na primeira leitura, portanto na última camada, lembra sim a ideia de abismo ou afundamento (algo que já se encontrava nas aguarelas), mas evoca também jogos óticos e dispositivos de visão (canudo, telescópio, óculo, funil ou buraco para espreitar). Como se a própria pintura, simultaneamente objeto e sujeito da visão, fosse o instrumento para se ver a si mesma como fenómeno do passado, assim se afirmando no presente.
Mariana Pinto dos Santos
Maio de 2010