• 1969
  • Tela
  • Tinta acrílica
  • Inv. 83P768

Júlio Pomar

L’odalisque à l’esclave II, d’après Ingres

O Banho Turco de Ingres foi o pretexto que deu início a uma mudança fundamental na minha pintura. Foi ele que serviu de esteio à organização de um jogo de curvas evidentes, que são de uma simplicidade quase geométrica e que vão delimitando os campos de cor e escrevendo as formas. O estudo do linearismo de Ingres articula o que ia aprendendo com os guaches recortados de Matisse.”*

Como confessa o próprio autor, as variações que inicia em 1968 em torno da obra Banho Turco, de Ingres, revelam-se a abertura de uma nova fase na sua pintura. Ainda que apresentando continuidades com as pesquisas plásticas precedentes — nomeadamente as telas dedicadas ao Rugby, Futebol, Catch ou Luta —, nas quais o óleo havia já sido substituído pelo acrílico, onde a pincelada gestualista é retida na delimitação de campos de cor mais compactos e uniformes e onde a própria paleta cromática se torna mais clara mas simultaneamente mais restrita —, os Banhos Turcos de Pomar constituem uma pesquisa plástica distinta. Em vez de uma experimentação sobre o movimento (que o havia ocupado no período precedente), observamos agora uma pesquisa sobre a forma e sobre a relação desta com a cor.

Nesta obra em particular, segunda variação do autor sobre um quadro de Ingres com o mesmo título datado de 1839**, Pomar opta, como que mimetizando as próprias formas curvas e ondulantes de Ingres, por um quadro de forma quase circular, cortado horizontalmente no seu limite inferior. Quando comparado com o original que tomou por mote, percebemos que as formas curvilíneas vermelhas, ao centro da composição, glosam fragmentos dos corpos da odalisca e da escrava: na forma vermelha à direita, discernimos o corpo em torsão da odalisca, com a sua nádega, seios e ângulo do seu braço direito flectido; na mancha branca que interrompe esta mancha, percebemos o panejamento de (des)cobre a odalisca; e na mancha vermelha que se lhe segue, podemos intuir a forma triangular descrita pelas pernas cruzadas da escrava. Em contraste com estas formas curvas, observam-se, centradas, duas listas verticais, em vermelho e verde. Tal como no quadro original de Ingres, no qual as formas ondulantes, curvas e tendencialmente horizontais das personagens femininas são contrabalançadas pela verticalidade e estatismo de dois elementos em segundo plano — um eunuco e uma coluna vermelha —, também nesta obra de Pomar a verticalidade e os contornos rectos destas listas cruzam, jogam e equilibram as formas curvilíneas.

As cores destas formas absolutamente delimitadas — resultado da aprendizagem combinada do linearismo de Ingres e dos guaches recortados de Matisse — conduzem o movimento do olhar sobre a tema, sugerindo rimas ondulantes de vermelho, verde e branco. O azul compacto do fundo destaca as formas, com alusões tanto aos guaches recortados de Matisse como ao próprio azul do manto sobre o qual a odalisca de Ingres se reclina.

Se o mote da pesquisa é sensual — levando vários historiadores e críticos a considerar ser este o período em que a pintura de Pomar se erotiza —, a reflexão plástica em que o trabalha torna essa sensualidade absolutamente intelectualizada, senão até, como sugere o autor, ascética***: “Na minha pintura anterior, essa de 73, se se atender aos meios que estão em jogo, eles são extremamente limitados e essa limitação é voluntária. O número de cores é limitado, as cores são as cores prismáticas, puras… a matéria desaparece praticamente… tudo o que surge sobre o quadro quer aparecer o menos híbrido possível… não há sugestões de claro escuro… há uma redução do alfabeto para, reduzindo ao mínimo os elementos em jogo, os poder carregar ao máximo. Há uma grande disciplina.”**** Paradoxos naturalmente decorrentes da aproximação e do distanciamento em que oscila entre o sentir e o reflectir, entre o tocar e o ver, entre o olhar e o pintar.

 

Luísa Cardoso
Fevereiro 2015

 

* Entrevista de João Fernandes a Júlio Pomar in Júlio Pomar: Cadeia da Relação, Porto, Museu de Serralves/Civilização, 2008, pp. 45-47.

** Jean-Auguste-Dominique Ingres (1780-1867) realiza L’oladisque à l’escalve em 1839. Em 1842, executa com dois dos seus discípulos uma cópia desta obra, a qual apresenta algumas variações relativamente ao original. Júlio Pomar executa duas telas em torno desta obra: L’odalisque à l’esclave I (130  x 162 cm / 51 1/4 x 63 3/4), pertencente à colecção Jorge de Brito, e L’odalisque à l’esclave II, pertencente à colecção do CAM.

*** Veja-se Helena Vaz da Silva com Júlio Pomar, Lisboa, Edições António Ramos, 1980, p. 91.

**** Helena Vaz da Silva com Júlio Pomar, Lisboa, Edições António Ramos, 1980, p. 36.

TipoValorUnidadesParte
Altura157,5cm
Largura184,3cm
Tipo assinatura
TextoPOMAR
Posiçãomargem inferior, ao centro
Tipo data
Texto69
Posiçãomargem inferior, ao centro
Tipo outras
TextoODALISQUE À L' ESCLAVE POMAR 69
Posiçãona frente, c.i.e.
TipoAquisição
DataJulho 1983
Transfert - Obras do CAMJAP em Itinerância/ Itinerant CAMJAP works
Fundação Calouste Gulbenkian
Curadoria: Leonor Nazaré
16 de Junho de 2007 a 8 de Setembro de 2007
Palácio da Galeria/ Museu Municipal de Tavira
Exposição organizada no âmbito do programa O Estado do Mundo.
"Ingres et les modernes"
Musée Ingres, Montauban
Curadoria: Musée Ingres, Montauban
3 de Julho de 2009 a 4 de OUtubro de 2009
Montauban
O Musée Ingres de Montaubans está a organizar, em colaboração com o Musée National des Beux Arts du Quebec uma exposição intitulada "Ingres et les modernes", que irá apresentar em 2009 em Montauban.
Autobiografia
Sintra Museu de Arte Moderna
Curadoria: Sintra Museu de Arte Moderna
8 de Maio de 2004 a 28 de Novembro de 2004
Sintra Museu de Arte Moderna
Grande exposição de Júlio Pomar realizada pelo Sintra Museu da Arte Moderna com o apoio do Millennium BCP.
Atualização em 01 maio 2023

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