• 1972
  • Tela
  • Tinta acrílica
  • Inv. 83P773

Júlio Pomar

Les Arnolfini, à mi-corps, d’aprés Van Eyck

Júlio Pomar começa a explorar de forma sistemática o género do retrato a partir de 1970. Os retratos que então faz de figuras públicas ou do seu círculo íntimo constituem uma pesquisa que se entrelaça com o diálogo que desde finais dos anos 60 estabelece com grandes mestres da pintura. Se Goya havia já sido uma influência marcante e Paolo Ucello um mote de reflexão a partir da sua Batalha de San Romano, Ingres e Matisse serão referências indeléveis a partir das suas variações em torno de Banho Turco, iniciadas em 1968. A exploração que nesta obra faz do famoso retrato de Van Eyck associa a linguagem que vem construindo a partir do linearismo de Ingres e dos guaches recortados de Matisse com o seu continuado diálogo com grandes mestres da pintura e, ainda, com uma reflexão sobre o género retratístico dentro da história da pintura.

 

Realizado em 1434 a partir de uma encomenda de Giovanni Arnolfini, comerciante de origem italiana sediado em Bruges, o retrato de Jan Van Eyck tem conhecido uma enorme fortuna crítica e um elevado destaque dentro da história da arte ocidental, entre múltiplos aspectos por se considerar ser um dos primeiros retratos não hagiográficos conhecidos, pelas opções ao nível da representação do espaço e pela representação social e simbólica do casal Arnolfini.

 

Esta obra é a segunda interpretação de Pomar do original do mestre flamengo.* Entre os múltiplos aspectos de que a obra é saturada, o pinto elege uns poucos para a composição da sua variação, num jogo que subverte a relação entre forma e fundo, vazio e cheio, positivo e negativo da imagem. De evidente relação com o original, reconhecemos o toucado da figura feminina e a parte superior do chapéu da figura masculina. Parece também resgatar algo da relação entre as formas curvas e as formas mais rectas e verticais do original: a mancha negra vertical à direita da composição de Pomar parece aludir é verticalidade do debruado da manga da personagem feminina de Van Eyck, enquanto a forma mais clara disposta ao centro, sob o que parece um busto, parece comentar e sublinhar a forma arredondada do ventre da mulher. Os rostos das personagens, essenciais na identificação dos retratados, emergem em Pomar do fundo azul, numa subversão da relação convencional entre fundo e figuração, como diálogo formal com Van Eyck  ou como comentário à relação que a pintura de retrato estabelece entre a pessoa retratada e os símbolos que socialmente a contextualizam e localizam.

 

Deste modo, a obra de Pomar apropria-se, fragmenta, remistura e recompõe elementos do original que toma por mote com inteira liberdade, e, através da sua linguagem própria que é simultaneamente um método de trabalho, cria uma resultado novo e inesperado. O que vemos é um fundo de um azul uniforme que ora emerge como a própria forma, ora liga elementos cujas cores e formas fragmentárias dialogam: o busto central com a alusão ao tocado feminino, os elementos de tons mais claros, a linha estabelecida pelos laranjas. Cabe ao olhar do observador completar e recompor os fragmentos, como num puzzle, inventando-lhes novas composições e com eles criando uma pessoalíssima fenomenologia. Continuando a apropriação e recriação do pintor, portanto.

 

* Ver Les Arnolfini, D’Après Van Eyck (1972, pintura acrílica sobre tela, 162 x 130 cm) em Catalogue Raisonné II. Peintures et Assemblages. 1968-1985, Paris, Éditions de la Différence, 2001, pp. 56-57.

 

 

 

Luísa Cardoso

Fevereiro 2015

TipoValorUnidadesParte
Largura116cm
Altura89cm
Tipo data
Texto72
Posiçãoc.i.e.
Tipo assinatura
TextoPomar
Posiçãoc.i.e.
Tipo outras
TextoOs Arnolfini a meio corpo Pomar 72
PosiçãoVerso
TipoAquisição
DataJulho 1983
4º Prémio Amadeo de Souza-Cardoso: Júlio Pomar
Museu Municipal Amadeo de Souza-Cardoso
Curadoria: Museu Municipal Amadeo de Souza-Cardoso
13 de Setembro de 2003 a 2 de Novembro de 2003
Museu Municipal Amadeo de Souza-Cardoso
Exposição realizada no âmbito da atribuição do Prémio Amadeo de Souza-Cardoso ao Mestre Júlio Pomar.
Atualização em 23 janeiro 2015

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