Pintora canadiana radicada em Londres, Lisa Milroy pinta com uma precisão quase obsessiva, e com uma técnica de grande apuro oficinal, temas inusitadamente simples com os quais convivemos no nosso quotidiano: sapatos, leques, pneus, selos, ou, no caso desta obra, Lace (Cordão), a passamanaria, ou seja, os artigos decorativos que se aplicam em cortinados, cadeiras, robes. E pinta-os com um grau de detalhe e de absoluta verosimilhança que toca tangencialmente, senão o hiper-realismo (e a técnica de representação do desenho publicitário), pelo menos um realismo de aparente primeiro grau: estes cordões são tal e qual os que encontraríamos alinhados na montra de uma qualquer retrosaria.

A sua obra integra-se na tendência do final década de 80 do século passado que ficou conhecida como de «retorno à pintura» porque, precisamente, após anos tendencialmente experimentais e de trabalho com materiais efémeros (década de 70), houve um regresso aos suportes mais tradicionais da pintura e da escultura. Lisa Milroy trabalha de facto com os grandes métodos de toda a pintura clássica – a perspectiva, a luz, o volume, a composição e um género, o da natureza-morta, que sempre teve grande fortuna na história da pintura mas com uma escala e uma noção de serialidade e repetição, que são totalmente contemporâneas e só possíveis após a abstracção, o minimalismo e a Pop Art.

Nesta obra de grande dimensão, o uso da perspectiva rigorosa e do destaque pictórico pelo sombreado torna a tela de tal modo realista que parece conter sucessivos trompe l’œils.

Mas a própria artista afirmou: «O que me interessa não é o realismo dos objectos mas o realismo da ideia dos objectos».* Ou seja, para cada objecto aparentemente banal a artista procura, mais do que representá-lo, oferecê-lo em representação, dar-lhe um palco e projecção, para que passemos a ver o objecto de outro modo.

 

Isabel Carlos

Maio de 2010

 

* «Figuração e Repetição», in Expresso, 23 de Novembro de 1991.